Mesmo com o patamar elevado de casos e mortes por Covid-19 no Brasil, as trabalhadoras grávidas possivelmente devem retornar em breve ao trabalho presencial. É o que prevê um projeto de lei aprovado pelo Congresso na última semana e que aguarda o aval do presidente da República. Caso sancionado, ele irá substituir a lei 14.151, de maio do ano passado, que instituiu regime de trabalho remoto, sem redução de salário, para todas as gestantes enquanto durasse a pandemia.
Especialistas têm criticado alguns aspectos do novo projeto de lei. Primeiramente, cabe lembrar que a situação sanitária do país ainda é instável. Embora tenhamos registrado queda nos indicadores da pandemia – tendência positiva, mas ainda não consolidada –, batemos há pouco a média móvel de 800 mortes diárias. Nosso contexto, portanto, é o de uma elevada taxa de circulação do novo coronavírus e de um sistema de saúde ainda sob estresse.
Não parece seguro o suficiente, portanto, obrigar as gestantes a utilizar o transporte coletivo, onde não há condições de distanciamento social. Também não é prudente fazer com que elas reassumam cargos que envolvam o contato direto com o público. Ademais, a nova lei entraria em vigor pouco depois do Carnaval, quando se espera um crescimento nos casos de Covid-19, com o aumento natural na circulação de pessoas, inclusive em festas, clandestinas ou não.
Mas um dos pontos polêmicos do projeto de lei diz respeito à possibilidade de gestantes não-vacinadas retornarem ao trabalho presencial. De acordo com o texto, trabalhadoras grávidas que recusam a imunização poderiam assinar um “termo de responsabilidade” declarando-se cientes dos riscos e consentindo, mesmo assim, com a volta às funções in loco. Temos aqui uma coleção de irresponsabilidades.
Após um início promissor, as campanhas de vacinação contra Covid-19 foram perdendo força no Brasil. A aplicação da terceira dose em adultos e, principalmente, a vacinação infantil estão estagnadas em patamares preocupantes, na casa dos 30%.
Logo, a abertura para uma imunização “facultativa” de gestantes ameaça não apenas a saúde das próprias mães, como também a de seus filhos – já está comprovado que os anticorpos resultantes da vacina são passados para o bebê – e do conjunto da sociedade, pois coloca em circulação mais pessoas não-imunizadas, mais propensas a transmitir o vírus e a desenvolver casos moderados e graves da doença. Sabotando, assim, o esforço nacional de vacinação, ao normalizar a ideia de que vacina é mera “questão de escolha”.
O projeto de retorno das gestantes ao trabalho presencial, mesmo sancionado, precisa passar por ajustes. Que o legislador não perca de vista o fato de que vacinação é uma estratégia coletiva e fundamental para o fim da pandemia da Covid-19 e o retorno à “normalidade”, que todos desejamos. (Veja)