Lúcio Vieira Lima tem um estilo de fazer política que surpreende pela sinceridade e pelo bom humor; pode-se dizer que é daqueles políticos que ainda dizem claramente como são as coisas no mundo da política. Uma delas foi explicada sem rodeios nessa entrevista concedida ao Política Livre na última quarta-feira (16): os partidos lançam candidaturas como maneira de negociar politicamente.
No mesmo dia dessa conversa, Lúcio reuniu-se, pela manhã, com Luiz Caetano, secretário estadual de Relações Institucionais do governador Rui Costa (PT), mas garante que pode apoiar qualquer um: o candidato do PT, Jaques Wagner, ou ex-prefeito ACM Neto (DEM) ou mesmo João Roma, ministro da Cidadania, hoje abrigado no Republicanos. O emedebista não nega que conversa com todo mundo.
E escancara: o que menos importa nessas conversas são projetos ou propostas, mas as facilidades que cada sigla pode oferecer para as eleições. O emedebista vê Roma, Neto e Wagner como os candidatos mais fortes ao governo estadual e não acredita no surgimento de uma terceira via que desfaça a polarização atual entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Lula (PT).
Sobre o petista, fez um comentário no mínimo intrigante: “dar um microfone a Lula é como dar um fuzil a um marginal”. Na Bahia, Lúcio destaca o peso do MDB que, em sua avaliação, foi relevado nas últimas eleições municipais – quando elegeu os prefeitos de Feira de Santana e Vitória da Conquista – mas diz que o partido jogará como time pequeno: com o regulamento debaixo do braço e sem lançar nome ao Palácio de Ondina.
Lúcio não gosta de ser chamado de “deputado” – com jeito escrachado, indagou ao repórter, ainda quando era marcada a entrevista, se não tinha visto que ele perdeu as eleições em 2018 – e salienta que não será candidato a nada em 2022: as urnas mostraram que o povo não o quer mais com mandato, em sua avaliação. Afirmando ser um “desempregado”, disse ainda que faz comentários políticos, mas não profissionalmente.
Também dá conselhos a quem se dispõe a ouvi-los. Se ninguém os quiser ouvir, brinca, falará para si.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Desde que deixou de ser deputado federal, você tem se mostrado um comentarista político muito bom. Pretende se tornar comentarista?
Para fazer política, você não precisa estar com um mandato nas mãos. Faz política em casa, na escola, faz política no ônibus, e eu não disputarei nenhum cargo eletivo, pois submeti meu nome nas urnas e o povo não me quis eleito, não me quer como deputado federal. Eu perdi a eleição por uma única razão: não tive voto. Então eu disse que ia me dedicar a dar conselhos a quem quer, a quem acha que eu tenho conselhos para contribuir e eu iria me dedicar a fazer análise, não profissionalmente, mas por entender, por conhecer os meandros da política. Estou à disposição de quem quiser me ouvir; se ninguém quiser, eu falo para mim mesmo.
Hoje vi uma postagem em seu Instagram ao lado do presidente estadual do partido, o Alex Futuca. Como está a movimentação do MDB pela Bahia?
Na última eleição, todo mundo dizia que o MDB estava acabado quando, na verdade, o desgaste do partido é o desgaste mundial da política como um todo. Então o MDB disputou a eleição municipal sob a dúvida de se iria sobreviver ou não, mas no final, ao abrir as urnas, para surpresa dos outros, não minha, elegemos os prefeitos das duas maiores cidades do interior – Feira de Santana e Vitória da Conquista – saímos como o quinto maior partido em termo de votos, perdendo somente para o PT, que tinha o governo do Estado, o PSD, que tinha senador, para DEM, que tinha o prefeito da capital, e para o PP, que tinha o vice-governador. Nós fomos para a eleição sem nenhuma máquina, tínhamos apenas o 15, a legenda e nossa história. Em uma eleição de sobrevivência, fizemos uma eleição de manutenção.
Mas e hoje?
Hoje somos procurados também por diversos partidos, por diversos candidatos. Hoje pela manhã eu fui tomar café da manhã – e isso não é segredo porque uma coisa que eu não aceito é patrulhamento e todo mundo sabe de meu comportamento e de minha seriedade – eu fui tomar café a convite de Luiz Caetano [secretário de Relações Institucionais do governador Rui Costa], tomeu um belo de um café e conversamos por cerca de três horas. E isso quer dizer que vamos apoiar [o senador e pré-candidato do PT ao governo, Jaques] Wagner? Não. Isso quer dizer que podemos apoiar Wagner, que não tem nada que impeça; não tem intriga, não tem desavença, não tem nada. Como eu tenho conversado muito com João Roma [ministro da Cidadania que pode ser o candidato de Bolsonaro na Bahia em 2022]. Podemos apoiá-lo? Podemos. É um amigo com quem me dou muito bem, converso bem, e que está procurando fazer pela Bahia, por isso sou devedor a ele, pois está fazendo pelo meu estado. E, da mesma forma, podemos apoiar [o ex-prefeito de Salvador, ACM] Neto. Fazemos parte da base do prefeito Bruno Reis. Agora, falando como comentarista político, tem que parar com esse patrulhamento de achar que, quando é para um, pode; quando é para outro, não pode.
Nas conversas de agora já se avaliam todas essas possibilidades, inclusive de segundo turno? Pois todos dizem que só falam de eleição em 2022, mas as articulações já correm soltas.
Isso [não revelar as articulações que já ocorrem] é fruto do desgaste da política e dos partidos. Um país com 36 partidos aptos para disputar eleição, vamos convir que não há ideologia. Então os partidos viraram máquinas que têm tempo de TV, fundo eleitoral, e hoje o que menos importa são as propostas e projetos, mas as facilidades para disputar as eleições. Na hora de decidir qual candidato vai apoiar, tem que levar em conta a questão do legislativo, pois há candidatos que não querem ir para partidos que já têm deputados, pois acham que não se elegem assim. Nessa eleição haverá uma grande vantagem do MDB, pois, diferente dos partidos com candidatos a governador que têm já deputados, poderá jogar com o regulamento debaixo do braço e se comportar como partido pequeno. Não preciso ser atacante nem defensor, posso ser meio-campista.
A questão nacional é levada em conta também. Correto?
Para decidir aqui, vai precisar aguardar as decisões nacionais, pois os partidos estão agora muito mais dependentes de suas direções partidárias, que ganharam muito mais força.
Você acredita numa terceira via? Parece que haverá um cenário de polarização entre petismo e bolsonarismo.
Pode ter terceira, quarta, quinta, mas você acha que fora da polarização Lula e Bolsonaro poderá surgir um nome viável com possibilidade de vitória? Eu acho difícil arrumar um candidato que tenha viabilidade para disputar e ganhar a eleição. Primeiro porque o radicalismo imperou aqui no país, então se faz mais a política de paixão. As pessoas querem defender Bolsonaro ou defender Lula sem saber por que defendem ou por que atacam. Virou time, virou paixão e acho difícil furar essa polarização. E a eleição passada demonstrou que essa história de muitos partidos, tempo de televisão e palanque já não influencia tanto o voto.
O MDB nacionalmente também não demonstra se apoia ou não Bolsonaro. Tem, por exemplo, a liderança do governo no Senado, mas senadores do partido atacam a gestão do governo na pandemia como se vê na CPI da Covid.
Hoje, quando chega lá no parlamento, está todo mundo se colocando como terceira via para se valorizar com os dois lados. Então tem que aguardar, pois ninguém vai se definir agora. O próprio Neto gravou um vídeo no Instagram dele em que diz que não pode nem se declarar como pré-candidato. O Lula até pouco tempo não podia nem ser candidato, mas agora pode ser candidato e sai de até 15% nas pesquisas e vai para mais de 50% e mostra que pode ganhar no primeiro e no segundo turno.
O MDB e o PSL estavam conversando aqui na Bahia sobre formar um bloco. Com a entrada do deputado Elmar Nascimento no PSL, que também presidirá a sigla, como fica isso?
Tudo o que acertamos com o PSL foi quando o partido era presidido pela deputada Dayane Pimentel. Então o que conversei antes termina não valendo agora.
Ciro Gomes esteve aqui na semana passada e disse que esse cenário de polarização e crescimento do Lula é algo artificial e gerado pela própria decisão do STF que tornou Lula elegível de novo. Você concorda?
Com a avaliação dele eu concordo; com a avaliação do cenário, não. Se ele é candidato, é óbvio que ele vai dizer que é artificial. Se for dizer que não há polarização, que não há terceira via, que vai se manter assim, então ele não é candidato. Eu concordo com o discurso dele, Ciro, para ele: é o discurso que ele precisa fazer, que é o que todo candidato faz quando está atrás nas pesquisas.
Você cravou como certa a candidatura do João Roma. Ela é fruto de inabilidade de Neto, de necessidade do Bolsonaro ou de ambição política mesmo do ministro?
Eu sou amigo de João Roma como sou amigo de todos. Sempre trato a todos como muito respeito. [A candidatura de João Roma] não é fruto de inabilidade de Neto, não é fruto de ambição do ministro, não é fruto de Bolsonaro. É fruto da conjuntura política atual. Qual foi a inabilidade de Neto? Dizer que ele estava contra João Roma ser ministro? Eu não posso dizer que o sujeito estava certo ou errado, mas Neto teve razões naquele momento, principalmente por conta da política de Brasília, quando quiseram carimbá-lo como alguém que tivesse feito uma negociata. Então ele precisava desse gesto, na ótica dele, para mostrar que ele não fez negociata nenhuma. Podia ter feito de outra forma? Poderia ter feito da forma que fosse, mas ser engenheiro de obra pronta é muito fácil. O que não se pode dizer é que Neto é um político inábil. Mas João Roma mostrou também grande qualidade, crescendo dentro de seu partido, o Republicanos, e chega a ser ministro em seu primeiro mandato – ele demonstrou o seu valor. E o fato desse valor ter se manifestado logo cedo, permitindo que ele galgasse algo, isso não é ambição. Isso é mérito. Quando eu cravei que ele é candidato, é porque política também tem lógica. João Roma hoje é ministro, e parece que a esposa dele já se coloca como candidata a deputada federal. Se ele sai a governador e a Roberta a deputada, se ele perde, ele continua com o mesmo espaço. Na eleição, o que ele tem a perder? Ele corre o risco de ganhar. Se der tudo errado, ele pode ganhar a eleição. É a brincadeira que se faz. Ele se torna uma nova liderança. Ele não tem nada a perder, e alavancado por Bolsonaro, mesmo que perca, não vai ter um desempenho pífio que venha a desmoralizá-lo.
Então você aponta três candidaturas definidas.
Sim. Temos três candidaturas fortes definidas: a de Wagner ancorado em Lula, a de João Roma ancorado em Bolsonaro e a de Neto ancorado em Ciro Gomes e nele mesmo. Ele [Neto] vai se ancorar em mostrar o trabalho que ele fez na prefeitura de Salvador. Vai trabalhar para que não se federalize as eleições.
O senhor cravou a candidatura de Wagner, mas Leão quer ser candidato, Otto quer ser candidato. O senhor acha que Leão e Otto podem tomar outro caminho que não seja apoiar Wagner?
Todo mundo tem o direito e torço que todo partido possa apresentar uma candidatura. Mas na política tem um ditado: “é muito mais fácil retirar uma candidatura do que colocar”. Agora está na hora de todo mundo colocar candidatura. Todo mundo é candidato. Isso é um movimento natural da política: todo mundo apresenta para que possa negociar politicamente. Mas essa entrada de Lula fortalece muito o PT, e os outros candidatos [do grupo que hoje governa a Bahia] ficam mais enfraquecidos. Temos uma vaga para o Senado que, historicamente, também é feito pela chapa que vence [na disputa] ao governo. Então fica muito difícil: vai formar a chapa como? Sai Otto, João Leão, Wagner, Neto, Lídice, João Roma, mas como é que vai fazer para formar chapas? Não tem nome com densidade para formar tantas chapas. Mas o MDB pode apoiar A, B, C ou D porque se dá com todos.
A polarização que vemos hoje entre petistas e bolsonaristas tem sua origem apontada com a Lava Jato, com as prisões – inclusive do irmão do senhor, Geddel – mas surgiram decisões do STF que põem em dúvida ações de procuradores, do então juiz Sérgio Moro. Pode-se dizer que o lavajatismo caiu em desgraça?
Permita-me, primeiro, discordar [sobre a polarização]. Isso não começou com a Lava Jato, mas lá atrás com o mensalão, que também terminou prendendo gente, mas a economia estava funcionando. Estava o povo todo comprando carro, com o filho na faculdade, todo mundo tinha sua motocicleta, seu apartamento. A economia estava bombando em função da alta das commodities. Ali, o Lula, acabou se reelegendo e reelegeu a Dilma.
Então o senhor acha que foi questão econômica, não meramente política.
O que quero dizer é que, naquele momento, o combate à corrupção influenciou pouco nas eleições porque, basicamente, o que decide as eleições não só no Brasil e nos Estados Unidos também… houve presidentes até competentes que perderam as eleições porque a economia estava mal. A radicalização não foi questão de Lava Jato; no impeachment da Dilma, teve uma nova leva de complicação [na economia]. Aí na Lava Jato surgem aquelas famosas gravações conseguidas por hackers com Sérgio Moro, etc, que demonstraram certos excessos, o que não quer dizer que não foi um trabalho importante. Mas uns são presos por um motivo e outros não são presos, algo é considerado crime para um e não é crime para outro – começam essas interpretações que não cabem a mim discutir, mas ao Judiciário ou ao Ministério Público. No caso do Lula, com a saída de Lula, os petistas saíram com energia nova porque dar um microfone ao Lula é como dar um fuzil a um marginal. Um microfone na mão de Lula é uma bomba atômica. Então Lula e o PT estão com um discurso de que Lula é inocente, que foi injustiçado.
Embora ele não tenha sido inocentado, pois o processo foi encaminhado para outra vara federal …
Foi o que acabei de falar. É o discurso, não falei que foi inocentado, mas é a leitura que passa para a população. E os petistas, por sua vez, adquiriram uma alma nova para ir a campo. Então vai ser uma campanha muito dura, muito radicalizada, onde a justiça eleitoral vai ter que funcionar muito. Sobre a questão se o lavajatismo acabou, tudo na vida tem seus momentos mais fortes e momentos mais fracos. É igual ao homem: quando está na juventude, está forte; quando está na meia idade, mais maduro, mais tranquilo; quando fica idoso, fica mais tranquilo em tudo. O lavajatismo teve seu auge. Se foi feito com excessos ou não, a história serve para condenar ou inocentar. A história dirá quem está certo e quem está errado.
Davi Lemos / Política Livre