O “Relógio do Juízo Final” já esteve a 90 seg. do fim do mundo, como agora?

Relógio do juízo final: Faltam 90 segundos Imagem: Bulletin of the Atomic Scientists

No dia (23/01), mês passado, o Comitê do Boletim de Cientistas Atômicos realizou a atualização anual do horário do Relógio do Juízo Final. Para o bem ou para o mal, nada mudou. Estamos a 90 segundos do mundo, exatamente na mesma posição do ano passado.

Essa é a notícia boa. A ruim é que, até 2023, o relógio nunca havia estado a 90 segundos do fim do mundo. Nem no auge da Guerra Fria. O mero fato de que o ponteiro permanece lá, portanto, é uma má notícia para humanidade.

De acordo com o comitê, o principal motivo que levou o relógio a esse horário no ano passado foi a invasão da Ucrânia. Esse conflito, claro, ainda não chegou ao fim – e vários outros eclodiram do ano passado para cá. Diante desse cenário, grandes potências, como EUA, China e Rússia aumentaram a produção de seu arsenal nuclear.

Outro ponto destacado pelo Comitê, neste ano, foi a piora de fenômenos climáticos extremos motivados pelo aquecimento da Terra. O ano de 2023 foi o mais quente já registrado. E esse recorde não vai durar muito. De acordo com James Hansen, ex-cientista da Nasa, 2024 provavelmente será ainda pior.

Para além da ameaça nuclear e da nossa batata estar literalmente assando, o Comitê levantou outros dois pontos: o primeiro são os perigos decorrentes da utilização indevida de biotecnologia, especialmente na área de engenharia genética. Já o segundo é a evolução da inteligência artificial e a necessidade de regulamentá-la.

Nunca estivemos tão perto de cantar honestamente “um minuto para o fim do mundo”. Mas tirando, esses dois anos, o quão próximo já estivemos da catástrofe?

O chamado Relógio do Juízo Final (ou Doomsday Clock, no inglês original) foi criado em 1947 por alguns membros do chamado Boletim de Cientistas Atômicos. O boletim surgiu alguns anos antes, em 1945, fundado por alguns pesquisadores do projeto Manhattan, incluindo o próprio J. Robert Oppenheimer.

O relógio simboliza o quão próximo o mundo está de se autodestruir. Sua criação foi basicamente uma manobra política para alertar as autoridades e cidadãos sobre como as nossas ações na esfera nuclear estavam levando o mundo para um ponto de não-retorno perigoso.

Na sua criação, ainda no começo da Guerra Fria, ele marcava sete minutos para a meia noite. E o ano de 1953 foi considerado o mais próximo da catástrofe. O relógio chegou às 23h58 devido aos testes de bombas nucleares gigantescas que tanto os EUA quanto a União Soviética passaram a realizar.

Esse momento foi a inspiração da música “Two Minutes to Midnight” da banda britânica de heavy metal Iron Maiden. Essa, aliás, não é a única marca que o relógio deixou na cultura pop.

O álbum da banda Linkin Park de 2007, “Minutes to Midnight”, também foi inspirado no relógio. E como se esquecer de Watchmen, a obra prima das HQs de Alan Moore, em que os EUA e a União Soviética estão prestes a entrar em guerra.

Às vezes o relógio não é atualizado a tempo. Como o update acontece uma vez por ano, alguns eventos que poderiam acelerar o andamento do relógio à meia-noite acabam não entrando na conta. Um exemplo claro disso é a crise dos Mísseis de Cuba, em 1962.

Como o imbróglio aconteceu no mês de outubro e rapidamente foi solucionado, o relógio não andou no ano seguinte. Caso ele fosse atualizado em tempo real, esse provavelmente seria o mais próximo que a humanidade já chegou da meia-noite.

O relógio vem oscilando desde então, ao sabor dos acontecimentos. Em 1972, ele retrocedeu 12 minutos, em 1984, com as relações entre os EUA e a União Soviética estremecidas, voltou a subir e bateu 3 minutos.

O momento de maior tranquilidade foi 1991. Com o fim da Guerra Fria, a queda da chamada Cortina de Ferro e o discurso bonito e utópico da globalização, o relógio registrou 23h43 (infelizmente, 17 minutos para o fim do mundo não soa tão legal em uma música).

De 2015 em diante, entretanto, a coisa voltou a ficar feia. Desde então, ele vem sendo quase que constantemente alterado (e não mais em resposta à ameaça nuclear, apenas). Em 2015 ele bateu 3 minutos, em 2018 voltou aos 2 minutos, e em 2020 chegou aos 100 segundos. De lá pra cá, 10 segundos foram adiantados.

De acordo com suas palavras do Comitê em sua declaração oficial deste ano, “o relógio pode se afastar da meia-noite.

Neste momento de perigo global sem precedentes, ação concertada é necessária, e cada segundo conta. Isso é tão verdadeiro hoje quanto foi no ano passado.”

Não: muito além da ameaça nuclear, as mudanças climáticas nos põem mais próximos do que nunca da meia-noite. E o horário de 2024 não melhorou em relação a 2023.

Por Caio César Pereira / Superinteressante

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