Em junho, quando foi informada sobre o seu desligamento, Ivânea Costa, 36, ouviu da direção da escola onde trabalhava, em Salvador, uma justificativa que se tornaria recorrente durante a pandemia: sem perspectiva de retorno das aulas presenciais, as demissões na rede privada de ensino seriam inevitáveis.
Professora de educação infantil (que atende crianças dos 0 aos 5 anos), ela só não esperava que o cenário fosse se agravar em tão pouco tempo.
Até o fim de 2020, cerca de 30 mil docentes que atuam no segmento particular de ensino deverão perder seus empregos somente na Bahia, projeta a Fenep (Federação Nacional de Escolas Particulares). Segundo a entidade, a estimativa leva em conta um baque financeiro diante da lei que obriga as escolas a concederem 3o% de desconto nas mensalidades enquanto perdurar a crise sanitária.
Em âmbito nacional, os dados atuais são ainda piores: ao menos 300 mil professores da educação básica já foram demitidos até agora.
Para Ivânea, embora necessárias, as medidas de isolamento social adotadas para conter o avanço do vírus afetaram drasticamente o segmento numa espécie de efeito dominó, no qual não se poupou de donos escolas a pais de alunos.
“Houve a saída de muitas crianças, principalmente dessa faixa etária que eu trabalhava. Os pais foram tirando cada vez mais à medida em que foi se intensificando essa necessidade do isolamento, de ficar um longo período em casa. Muitos pais também perderam o trabalho. Muitas famílias tiveram uma redução significativa da renda, e aí foi ficando difícil pra todo mundo. Para escola, pras famílias manterem as crianças e, por consequência, também ficou difícil pra mim como trabalhadora”, avalia ela, que ensinava crianças de 1 e 2 anos de idade.
Em meio as discussões sobre uma possível retomada das aulas presenciais nas escolas públicas, Ivânea não vê perspectiva de restabelecimento das atividades do setor em que atua, ainda que haja adoção de protocolos preventivos.
“Eu acho um pouco difícil, principalmente pra crianças muito pequenas. Eu acredito que, enquanto não houver uma vacina de fato, essa retomada seja bem lenta e a partir do ano que vem”, diz a professora.
Enquanto não se recoloca no mercado, Ivânea diz tirar lições da pandemia. “Acho que essa pandemia também me ensinou que é precisos ser flexível. Não dá pra ter controle de tudo na vida”, descreve.
Embora não haja uma data pré-estabelecida para o retorno das atividades escolares em território baiano, a prefeitura e o governo do Estado afirmaram ao bahia.ba que estão prontos para o retorno das aulas, mediante adaptações sobretudo na infraestrutura das unidades –as diretrizes relativas à rede privada são de responsabilidade do município.
‘Sindicato é uma vergonha’
Sob a condição de ter o nome preservado, uma professora recentemente demitida relatou ao bahia.ba que o Sinpro-BA, sindicato que representa a categoria, virou as costas para os docentes.
A profissional afirma que muito colegas estão passando dificuldades financeiras a ponto de não terem o que comer. Por isso se diz a favor do retorno às aulas.
“Esse sindicato é uma vergonha. Milhares de professores e professoras passando fome, demitidos e nada fazem pela categoria só ficam de ‘notinhas’ no Instagram. Vamos lutar pelos direitos desses trabalhos. O prefeito abre bares e shopping e o governo libera shows, mas a escola ele diz que não pode porque é risco? Onde contamina mais? Em um show ou em uma sala de aula? Acorda sindicato. Vamos voltar às origens e realmente defender os trabalhadores e trabalhadoras”, desabafou.
O bahia.ba tenta ouvir o Sinpro-BA desde a última segunda-feira (31). A reportagem ligou para um telefone fixo e para o número de um celular que constam no site da entidade como serviço de plantão, mas as chamadas não foram atendidas. Também deixou um pedido de entrevista por meio de uma rede social, sem sucesso. (Bahia.BA)