O corpo humano é uma incrível caixa de surpresas – algumas boas, outras ruins. Quando algo não está certo com a nossa saúde, o organismo costuma enviar alguns alertas (sintomas), que embora pareçam simples, como coceira ou caroços na pele, podem indicar algo muito perigoso.
Uma doença tão silenciosa quanto perigosa se espalha pelo país, preocupando médicos e autoridades: estamos falando da sífilis. O crescimento da doença no Brasil é assustador e muito preocupante.
No ano de 2010 haviam sido registrados 1249 casos de sífilis adquirida. Em 2015, esse número saltou para 65.878, um aumento de mais de 5.000%, e chegou em 87.593 casos em 2016, segundo o Ministério da Saúde.
É possível considerar então que a sífilis é uma epidemia?
Antes de responder essa pergunta é preciso entender o que significa uma epidemia e o que a difere de uma endemia. A endemia é caracterizada por um número significativo de determinada doença que atinge uma população ou região específica.
Já a epidemia significa que uma doença, de caráter transitório, está atacando ou afetando um grande número de pessoas, atingindo diversas localidades. De acordo com o infectologista Celso Granato, casos de gripe, dengue, zika vírus e chikungunya são considerados uma epidemia pela sociedade médica.
Entretanto, embora o termo epidemia não seja muito utilizado para o aumento dos casos de sífilis, é possível sim afirmar que existe um surto da doença no mundo inteiro.
Como dito anteriormente, nos últimos anos houve um crescimento inesperado dos números de sífilis adquirida no país, porém o que mais preocupa os médicos é o aumento nos casos de sífilis congênita. Nela, a mãe infectada transmite a doença para o bebê, seja durante a gravidez, por meio da placenta ou mesmo na hora do parto.
Em 2016, foram notificados 20.474 casos de sífilis congênita – entre eles, 185 óbitos – no Brasil. A elevação da taxa de incidência de sífilis congênita e as taxas de detecção de sífilis em gestante por mil nascidos vivos aumentaram cerca de três vezes entre 2010 e 2016, veja o gráfico abaixo:
Segundo o infectologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP) João Prats, a grande preocupação em torno da sífilis congênita é que pode acabar causando sérios problemas no feto, como surdez e deformidades. Além disso, a criança já nasce com a bactéria, podendo transmiti-la no futuro e, desta forma, a doença continua a se disseminar.
Por que houve esse aumento nos casos de sífilis nos últimos anos?
Existe uma série de fatores complexos – e sociais – que podem estar relacionados a esse aumento mundial, não apenas nos casos de sífilis, como de todas as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). O primeiro fator a ser abordado é o fato da nova geração ter parado de se preocupar tanto com essas doenças. “Essas pessoas não viram do que a AIDS foi capaz anos atrás, não viram famosos e amigos morrerem devido a doença. Além disso, já nasceram em uma época em que existia tratamento contra a AIDS, e por isso o sexo desprotegido se tornou mais frequente e contribuiu para contaminação de outras doenças”, diz Celso Granato.
Outro elemento importante foi a falta de penicilina benzatina (benzetacil) em hospital – cenário que ocorre desde 2016. Apesar de não existirem dados assertivos, os especialistas corroboram que possa sim existir uma relação, uma vez que este medicamento é o tratamento mais indica.
A penicilina é um antibiótico administrado como injeção que impede a progressão da sífilis, principalmente se ela for aplicada no primeiro ano após a infecção.
A escassez do medicamento se deu porque o Brasil importar a droga de outros países, porém os laboratórios que fabricam, além de serem poucos, também produzem ele em pouca quantidade, uma vez que ele gera pouco lucro.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma análise feita em 2017 mostrou que mais de 20 países, incluindo Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Austrália e o Brasil, vêm enfrentando uma escassez de penicilina benzatina.
Contudo, a sífilis pode receber outros medicamentos para o tratamento – embora sejam mais demorados, eles contribuem da mesma forma para o controle da doença. Algumas das drogas que podem ser indicadas são Ciprofloxacino, Clordox, Doxiciclina e Eritromicina.
Para João Prats, outra razão que pode evidenciar esse aumento dos casos é que nos últimos anos o Ministério da Saúde estabeleceu que os hospitais e centros de saúde enviem boletins com o número de ocorrências. Por esse motivo, a sífilis passou a ser mais notificada, pois antes os dados eram imprecisos. Ou seja, pode ser que os números tenham sido sempre maiores do que o sugerem os dados, e agora estamos mais próximos da realidade.
Diagnóstico da sífilis
Os sintomas da sífilis costumam ser muito similares aos de outras doenças, como lesões indolores na região genital. Logo, o médico deve realizar exames específicos para conseguir realizar o diagnóstico. Veja alguns exames que o especialista pode solicitar:
- Exame VDRL: bastante comum, pode identificar anticorpos no sangue que estão combatendo alguma infecção. Eles permanecem no sangue por anos, enquanto a bactéria estiver instalada no organismo. Por isso, o exame pode ser feito também para diagnosticar infecções antigas, cuja transmissão aconteceu há muito tempo. No entanto, a vantagem do VDRL é que ele mostra a doença mesmo quando está ativa, por ser um teste quantitativo. A sífilis inativa é quando não há sintomas, porém ela pode vir a tornar-se ativa com o tempo
- FTA-ABS: esse exame é considerado treponêmico, ou seja, é preparado com proteínas específicas para o Treponema pallidum (bactéria causadora da sífilis). Ele é um teste qualitativo (resultado negativo ou positivo) e serve apenas para o diagnóstico e não para o acompanhamento da doença
- Teste rápido para Sífilis: os testes rápidos são feitos em menos de 30 minutos e sua visualização é como em um teste de gravidez: aparecendo uma ou duas faixas pintadas. Eles podem ser feitos em centros públicos de referência em ISTs e AIDS
- Cultura de bactérias: o médico pode optar também por recolher amostras de uma secreção expelida por alguma ferida presente no corpo, que será analisada em microscópio. Este tipo de teste só pode ser realizado durante os dois primeiros estágios da sífilis, cujos sintomas envolvem o surgimento de feridas. A análise dessas substâncias pode indicar a presença da bactéria no organismo do paciente
- Punção lombar: se há a suspeita de que o paciente está com complicações neurológicas causadas pela sífilis, o médico poderá coletar uma pequena amostra do líquido céfalo-raquidiano. As amostras são enviadas para laboratório e analisadas.
Além disso, é importante notificar ao seu parceiro ou parceira para que ele ou ela possa também realizar os exames necessários para o diagnóstico. Se der positivo, quanto antes dar início ao tratamento, melhor.
Como controlar o surto de sífilis?
De acordo com os especialistas, a melhor forma de controlar o surto de sífilis é com medidas educativas. “Pessoas precisam entender que é uma doença de transmissão muito fácil e pouco sintomática. É preciso levar às escolas e comunidades a importância de usar camisinha, fazer exames e tratar”, diz Celso Granato.
Para João Prats, outra maneira de ajudar a controlar a doença é desenvolvendo políticas que validem o acesso a medicações e facilitem o acesso da penicilina ao SUS. Isso porque essa é a forma mais fácil e acessível de tratar a sífilis.
Além disso, o infectologista revela que é preciso fortalecer os programas de pré-natal. “A sífilis congênita precisa ser tratada e o pré-natal é muito importante para isso. Se a mulher receber o tratamento adequado, a doença não atingirá o bebê”, dizJoão Prats.
Estratégia de prevenção do governo brasileiro
Em 2017, o Ministério da Saúde lançou a campanha , que visa aumentar a prevenção contra a doença, principalmente entre as gestantes, e garantir o abastecimento da penicilina na rede pública até 2019.
Outra frente de atuação pretende focar no diagnóstico para aumentar a quantidade de testagens realizadas, principalmente nas grávidas. A identificação da doença nos três primeiros meses da gestação e o tratamento adequado impedem a transmissão da doença da mãe para o bebê.
Crianças já infectadas pela doença serão acompanhadas de perto. Também serão realizadas intervenções em populações-chave, como homens que fazem sexo com homens, mulheres transexuais e profissionais do sexo.
Ao lançar a estratégia, o ministro da Saúde Ricardo Barros, afirmou que a conscientização dos brasileiros será fundamental para combater a doença. “Garantimos o abastecimento dos municípios com a penicilina e ampliamos também a oferta dos testes. Mas ainda é necessária uma mudança no comportamento dos profissionais de saúde e também da população”, explicou. (Minha Vida)