Completa nesta quarta-feira (29) um mês desde que o Rio Grande do Sul foi afetado por uma tragédia climática causada pela chuva, que deixou mortos, milhares de desabrigados e desalojados e um rastro de destruição que corta os quatro cantos do estado.
O que aconteceu no sul do país é um sinal de alerta para todas as outras regiões do Brasil. O que pode ser feito para evitar ou postergar os efeitos das mudanças climáticas é a pergunta que vem sendo feita desde então. Ainda dá tempo?
No caso da Bahia, se medidas de contenção não forem tomadas, o cenário de uma Salvador inimaginável pode se tornar realidade – onde o Centro Histórico seria uma grande “Veneza Baiana” e a faixa de areia do Porto da Barra é coberto após a invasão do mar. Essas são algumas projeções que podem acontecer na capital baiana devido às mudanças climáticas.
Segundo Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório de Clima, um dos fatores que podem contribuir para o desencadeamento de efeitos, em maiores proporções, são as condições socioambientais da capital baiana.
“Como toda cidade litorânea, Salvador tem algumas vulnerabilidades. Primeiro a quantidade de favelas em morros, portanto, lugares sujeitos a deslizamentos. Quando você tem chuvas de verão mais intensas, como a gente já vem observando que elas estão acontecendo, acaba agravando bastante os problemas de urbanização que a cidade já tem. É como se fosse um multiplicador de desigualdades e um agravador de problemas já existentes”, conta.
A localização geográfica de Salvador também é um fator que deve ser levado em consideração e que pode oferecer riscos em casos de eventos climáticos. Isso porque, a capita baiana está na faixa litorânea do Brasil. Com a aceleração do aquecimento global, que causa uma elevação da temperatura da Terra, e consequentemente, o derretimento de geleiras que contribuem para o aumento do nível do mar, áreas de ressaca podem sumir com a água.
“Temos perspectivas de mais ressacas violentas, porque à medida que sobe o nível do mar, você aumenta e multiplica o tamanho das ondas e das inundações que acontecem durante uma ressaca. Então, quando você tem uma maré meteorológica, somada a uma tempestade qualquer, você pode ter uma lâmina d’água se elevando a muitos metros acima do normal, apesar da elevação média do mundo ser de apenas alguns centímetros de nível do mar. Então, se tende a ter mais problemas na zona costeira. Nas praias, nas avenidas, nos bairros que ficam próximos demais do mar”, explica.
A agência Internacional Climate Central, organização americana de monitoramento meteorológico, previu há dois anos, que pontos famosos da capital baiana serão afetados pelo avanço do mar até o ano de 2100. Entre eles, foram citados pontos como Mercado Modelo, Ilha dos Frades, Porto da Barra e trechos do Subúrbio Ferroviário de Salvador.
Já o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (IPCC), indica que até o próximo século o mar pode subir até 55 centímetros caso ocorra um aumento de 1,5 °C na temperatura média do planeta.
Apesar de não ser possível prever o ano exato em que mudanças desse nível podem atingir Salvador, caso a elevação do mar seja grande, as cidades litorâneas, em geral, serão redesenhadas devido ao fenômeno.
“Não é possível prever. A elevação do nível do mar é uma coisa que a gente chama de ‘evento climático de início lento’ porque é uma coisa que acontece ao longo de décadas. A gente já teve no último século, elevação de 20cm do nível médio do mar. Ele se manifesta mais em tempestades e ressacas. […] A gente pode ter nos próximos anos, um fenômeno de colapso de geleiras na Antártida. Se isso acontece, o mar sobe e os literais serão completamente redesenhados, e não é só Salvador”, diz ao Portal.
E as ondas de calor?
As ondas de calor também devem ser sentidas pelos soteropolitanos. O relatório do Climate Central, divulgado em março deste ano, revelou que a capital baiana foi a quinta cidade mais “aquecida” do Brasil nos primeiros três meses de 2024. O estudo, que levou em consideração as médias registradas entre 1991 e 2020, comparou as temperaturas entre dezembro de 2023 e fevereiro deste ano. O aumento na temperatura de Salvador foi de 0,84 °C, sendo que a média do país foi de 0,71 °C.
A elevação da temperatura é mais um efeito do aquecimento global. De acordo com Claudio, isso pode gerar tanto dificuldades para realização de atividades ao ar livre, quanto na proliferação de doenças provocadas por insetos, como a dengue.
“O Nordeste do Brasil está em uma zona que mais vai esquentar no planeta. Isso tem dois problemas: um é o problema do calor em si, que dificulta atividades ao ar livre, que vai ficar cada vez mais difícil porque o número de dias com temperaturas entre 30 °C e acima de 30 °C está aumentando no Brasil inteiro, e também as doenças. Por conta de problemas de urbanização, já é um lugar muito exposto a doenças cometidas por insetos, arboviroses”, explica o especialista, destacando ainda a recente explosão de casos de dengue.
Salvador como cidade-esponja?
Com a tragédia climática do Rio Grande do Sul, um termo também veio à tona: as cidades-esponjas. Na contramão da combinação de alta urbanização nas cidades, que sofrem com fenômenos como elevação do nível do mar, inundações e secas, as cidades-esponjas são uma espécie de saída urbanística para que a natureza, as mudanças climáticas e as estruturas urbanas consigam conviver de forma mais equilibrada.
Em termos mais simples, as cidades-esponjas, conceito desenvolvido pelo chinês Kongijan Yu, ajudam a absorver e manter a água da chuva por meio de drenagens sustentáveis e com infraestrutura verde. Isso ajuda a reduzir danos de alagamentos, inundações e enchentes.
Especialista em Clima, Claudio Angelo explica que essa é uma das coisas que podem ser feitas e que são favoráveis para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Mas também não pode ser a única.
“Cidades-espojas nada mais são do que você fazer duas coisas: primeiro, você restaura a vegetação em margens de rios e margens de cursos d’águas porque isso retarda o impacto dos alagamentos e das enxurradas. Segundo: você rearborizar morros, encostas, além de desocupar, plantar árvores nesses lugares”, conta ao iBahia.
“Vamos ter que tomar a decisão, nas nossas cidades, de deixar algumas áreas para água. Vai ter que ter, porque daqui a pouco, construir piscinão não vai dar mais conta do volume de água. Então você vai ter que deixar essas regiões”, continua.
O que podemos fazer para lidar com esses fenômenos climáticos?
Em 2020, a Prefeitura de Salvador lançou o Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima (PMAMC), que prevê metas para neutralizar as emissões de gases de efeito estufa até 2049, ano em que Salvador completa 500 anos.
Ao todo foram propostas 57 ações de curto, médio e longo prazo para que a cidade se adapte às mudanças climáticas. Entre elas, estão:
- Reduzir em 25% as viagens por veículos particulares;
- Alcançar 36 m² de área verde / habitante para toda a cidade (índice atual: 30m²);
- Criação de estratégia de renaturalização dos rios de Salvador;
- Reduzir em 30% as doenças causadas por vetor (Aedes Aegypti) em relação aos índices de 2018.
O especialista analisa as ações e destaca que as medidas adotadas precisam ser equilibradas entre obras clássicas de contenção de infraestrutura e reorganização urbanística.
“Você vai ter que fazer piscinão. Você vai ter que fazer quebra-mar, um monte de coisa. Mas, só a infraestrutura cinza, obra de contenção de encostas, por exemplo, não basta. Assim como você não pode só plantar árvore. Tem que ser uma combinação dessas coisas”, finaliza.
É importante ainda frisar que é preciso ter em mente o impacto que isso vai causar em áreas periféricas, onde historicamente a maioria dos habitantes são pretos e pobres.
“Tem algumas coisas que dá pra fazer do ponto de vista de urbanização. São coisas que já deveriam ter sido feitas décadas atrás. Resolver os problemas das populações em zonas de risco. Ou você garante urbanização, ou você remove a população quando não for possível garantir a segurança dessas pessoas nesses lugares. Tem muita gente que vai ter que sair. Isso vale também para ocupação do litoral. Tem lugares, como residências e comércios que estão muito próximos do mar, e esses lugares vão precisar ser desocupados”, destaca.
Dentre tantas questões, é preciso entender o que ainda pode e deve ser feito, tanto por governos quanto por civis. Como Claudio Angelo destaca, o futuro já está sendo construído. “O futuro chegou. Mudança climática há algum tempo deixou de ser uma preocupação do futuro. Quanto mais essas ações forem adiadas, mais gente vai morrer, mais prejuízo a gente vai tomar”, finaliza.
Fonte: iBahia