Realidade da periferia não é levada em conta ao decidir medidas contra pandemia, dizem ativistas

Foto: Divulgação

Na pandemia, o coronavírus já infectou mais de 775 mil brasileiros, e o número de mortos no país passa dos 39 mil. Durante este período, a recomendação de entidades sanitárias e governos é que as pessoas fiquem em casa e mantenham isolamento social. Porém, para muitos, ficar em casa é um luxo.

O confronto entre a realidade das favelas e regiões periféricas e as medidas propostas pelos governos para enfrentar a crise sanitária foi o tema principal do webinário A Pandemia nas Favelas, promovido pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, na tarde de quarta-feira (10).

Guiné Silva, sociólogo e coordenador de fomento na Fundação Tide Setubal, lembrou que, entre a população mais vulnerável, “as pessoas não têm poupanças ou reservas financeiras, a realidade é no dia a dia, já que essa população não tem o privilégio de fazer home office”.

Na opinião do sociólogo, “as medidas de combate e de proteção à pandemia que têm sido promovidas pelo governo deveriam ser articuladas com quem vive nesses meios”.

Apesar das incertezas do futuro e da provável falta de renda que atinge boa parte da população, Silva enalteceu a poderosa rede de apoio formada em diferentes partes do Brasil a fim de ajudar pessoas em situações de vulnerabilidade.

O encontro virtual recebeu ainda Eliana Silva, ativista social e diretora da ONG Redes da Maré, no Rio de Janeiro, e Jailson de Souza e Silva, geógrafo, ativista social, fundador do Observatório de Favelas, no Rio, e diretor geral da Universidade Internacional de Periferias (UNIperiferias).
Durante a conversa, mediada pelo cientista social Sergio Fausto, superintendente da Fundação FHC, foram discutidas as dificuldades dos moradores de comunidades carentes em meio à crise e o que as organizações que representam têm conseguido fazer para combatê-la.
Eliana Silva reforçou a necessidade agir muito rapidamente quando a pandemia se instalou.

“Tivemos que criar algumas iniciativas para lidar com isso”, disse a ativista, que também afirmou que que a pandemia estampou quantos direitos são negligenciados historicamente a essa população, como de saúde, de educação e até de água.

No primeiro momento, conta ela, a ONG que representa se preocupou em olhar pelas seis famílias mais vulneráveis de todo o complexo da Maré, onde habitam cerca de 140 mil pessoas. Assim, foi iniciada uma campanha a fim de assegurar a alimentação dessas pessoas.

“Estamos caminhando para o terceiro mês [da pandemia] e nos demos conta que essa é uma demanda e há pessoas realmente passando fome”, conta ela, que estima que sua ONG tenha já atendido 12 mil famílias.

Além disso, também foram pensadas formas de garantir a renda dos moradores. Na Casa das Mulheres da Maré, cozinheiras e tinham ficado sem eventos durante a pandemia foram alocadas para atender a população de rua, recebendo ajuda de custo para preparar refeições -cerca de 200 quentinhas são distribuídas diariamente.

Outra ação foi direcionada a 50 costureiras, que estão produzindo 20 mil máscaras diariamente, distribuídas para a população.

A comunicação é outra preocupação. Por um grupo de WhatsApp, moradores informam sobre pessoas contaminadas e doentes, permitindo à ONG monitorar a situação da comunidade.

Para Jailson de Souza e Silva, do Observatório de Favelas, o grande desafio para a sociedade civil é “pressionar o Estado a trabalhar com dimensões fundamentais, com a solidariedade e a empatia como elemento fundamental”.

Ele reconhece que muitas comunidades carentes têm conseguido se unir a fim de apresentar medidas de ajuda e empatia em meio à crise.

Souza e Silva sugeriu que, entre as adaptações à realidade das periferias, o isolamento fosse realizado de forma territorial, e não doméstica, uma vez que a maioria das moradias abriga muitas pessoas de diferentes gerações, com frequência trabalhando em atividades essenciais, como no setor de supermercados.

“O Estado precisa estar muito mais articulado com as organizações de sociedade civil”, afirma ele. “Se você constrói, por meio do Estado, um aparato de proteção nas entradas das favelas, que identifique

imediatamente se a pessoa está contaminada e possa ser isolada, você vai permitir que a dinâmica da favela seja respeitada e que não se queira que isolamento seja realizado assim como acontece com a classe média dominante”, explica o geógrafo. (jornaldebrasilia)

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