No dia 2 de julho, baianos, como um todo, comemoram a Independência da Bahia. Mas quem também ganha festa, através da religiões de matriz africana, são os caboclos, figuras que se tornaram verdadeiros heróis e heróinas, símbolos de resistência.
Na Bahia, diversos espaços religiosos tomaram o 2 de julho como Dia dos Caboclos. Marlon Marcos, professor, poeta, antropólogo, jornalista e historiador, diz que no estado, a imagem associada ao caboclo nos terreiros de candomblé é a do indígena, visto como o verdadeiro dono da terra. No contexto das celebrações de 2 de julho, a figura do caboclo foi transformada pelo povo, passando a ser celebrada não apenas como símbolo nacional, mas também como uma entidade espiritual de luta e pertencimento, especialmente nas religiões de matriz africana.
“Isso foi transformado, foi tomado pelo povo e muita gente, além de cultuar o indígena como um símbolo nacional, começou a sentir nesse indígena aqueles fenômenos religiosos, denominados caboclos, aquelas experiências espirituais vistas dentro dos terreiros, essas experiências começaram a ocupar as ruas e as pessoas começaram a festejar o caboclo não só como símbolo nacional, mas como uma entidade de luta, de resistência, de poder, de ação milagrosa, de pertencimento, de construção”, explicou o professor.
De acordo com o jornalista, a escolha das elites de eleger o indígena como símbolo nacional foi gradualmente assimilada pela população brasileira, incluindo especialmente o povo negro e os praticantes das religiões de matriz africana nos terreiros de candomblé.
Com a representação da entidade, o festejo passou a ser contemplado de forma significativa pelos adeptos das religiões de matriz africana. “Não se via apenas o símbolo cívico, o símbolo identitário de civilidade e nacionalidade, mas também o ser espiritual. Muitas pessoas começaram a caminhar vestidas com suas roupas de terreiro, usando suas contas, levando frutas, moedas e atabaques, se vestindo de indígena, cantando, fazendo canto na roda, escrevendo cartas e fazendo pedidos. Vendo naquela entidade uma força muito grande na caminhada do caboclo, que envolve questões políticas, simbólicas e de entretenimento, que invoca e mexe com a imaginação das pessoas de várias maneiras, também mexe na perspectiva religiosa. Muita gente começa a ver ali, naquele caboclo, não apenas seres simbólicos, mas seres espirituais, vistos e sentidos nas imagens que percorrem o centro histórico de Salvador”, afirma.
A Yalorixá Omíojì Mainá Lima, do Ilê Asé Ayaba Omi Omo Ejá, localizado no bairro de Cajazeiras, explicou como as religiões de matrizes africanas celebram o Dia 2 de Julho em honra aos caboclos.
Segundo a Yalorixá, o dia 2 de julho representa não apenas uma data histórica para o povo brasileiro, mas também um momento de reconhecimento e gratidão aos ancestrais indígenas que lutaram pelos territórios da Bahia. Para as religiões de matriz africana, é um momento de grande energia, onde podem expressar sua fé através de oferendas, cantigas e rezas que simbolizam o respeito e a conexão com essa ancestralidade.
“Como religiões de matriz africana, temos muito orgulho em honrar aos caboclos nesse dia, em oferendas, em cantigas, e rezas, e em depositar todo nosso amor, toda nossa responsabilidade, toda nossa confiança que nós temos a cada um deles, a cada caboclo que a gente acredita e que sabemos que é importante para nossa caminhada”, contou Mainá Lima.
De acordo com a Yalorixá, os caboclos são como divindades, representando uma espiritualidade profunda baseada em caridade, amor e na importância da união entre as pessoas da comunidade, independentemente de raça, cor, etnia ou nacionalidade. Os encantados, especialmente os caboclos, acolhem todos que chegam ao terreiro ajudando a limpar energias negativas de corações abertos, perdidos ou amargurados.
A tradição é mantida nas religiões de matriz africana na Bahia, como Maiana destaca os cultos realizados em sua casa de axé. “A minha comunidade espiritual, especialmente o Ilê Asé Ayaba Omi Omo Ejá, mantém muito viva essa data e a memória dos nossos encantados caboclos, dos nossos ancestrais indígenas. Nós temos a honra, todo ano, no 2 de julho, de arrear nossas oferendas, nossos jerimuns, nossas abóboras, nossas frutas e raízes aos nossos caboclos, como uma oferenda ancestral, como forma de agradecimento, que eu acredito que ainda é muito pouco, por tudo que eles viveram, por tudo que lutaram, por tudo que conquistaram, e hoje estamos aqui”, concluiu a Yalorixá Omíojì.
Orisun é uma banda que começou há mais de 10 anos na festa de boiadeiro de Mãe Augusta, no Terreiro Mansu Dandalunda em Areia Branca. Eles se inspiram nas tradições das religiões de matriz africana para criar músicas e performances que compartilham com o público, como cantigas e danças em reverência aos caboclos.
Segundo o produtor da banda, Alanderson, essas cantigas não apenas tocam profundamente as pessoas, mas também as ensinam. Elas podem guiar, parabenizar e até corrigir, dependendo do contexto e da intenção do caboclo cantado. Esse tipo de educação começa desde cedo para aqueles que crescem nos terreiros de Candomblé, transmitindo respeito pelos mais velhos e pelos ancestrais.
Alanderson explica como a banda se prepara para transformar o ambiente para o público, utilizando elementos que representam a festa dos caboclos nas religiões de matriz africana. “Com as folhas, frutas, abóbora e fumo, transformamos o ambiente, com incenso, pemba e cantigas para a abertura. Não cantamos todas as cantigas da roça, mas elas são o início de tudo. Começamos devagar, cultuando, até chegar ao samba de terreiro. Essa é a importância das imagens, transformando todo o ambiente na roça. Até nossa energia se transforma lá. É uma festa, celebrando e brincando com os caboclos. Na verdade, a festa do Caboclo é uma troca por tudo que ele faz por nós”, conclui Alanderson.
Fonte: Portal A Tarde