De quem é a culpa? Uma pergunta que ecoa em todo escândalo criminoso que repercute na imprensa e na sociedade. No caso do desvio de um montante de R$ 800 mil de doações na Record TV Itapoan, a pergunta se repete em cada canto de Salvador. “E os Pix’s, para onde foram?”, questiona um cidadão à reportagem. Os suspeitos do crime, que não tiveram seus nomes revelados pela Polícia Civil (PC) ou pela própria emissora que comanda investigação interna, serão intimados pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Estelionato por Meio Eletrônico (DreofCiber), responsável pela investigação.
Já há em curso um inquérito por estelionato contra os responsáveis. Ao todo, até aqui, foram ouvidas três vítimas, as primeiras de uma lista que vai aumentar com novas oitivas, de acordo com a polícia. Questionada, no entanto, a investigação não revelou quantas são as pessoas que foram lesadas no golpe. Na semana em que o escândalo estourou, a reportagem teve acesso a áudios de um funcionário da emissora, que prefere não se identificar.
Além de confirmar o golpe, ele apontou que o desvio do Pix das doações não era algo novo, e os valores do golpe poderiam ser ainda maiores. “Descobriu agora, mas imagine o que vinha acontecendo há anos. Um já foi demitido, está esperando o outro voltar de férias. Acredito que ele só vai aparecer aqui com o advogado”, afirmou ele, na ocasião.
Nessa sexta-feira (17), a Record TV Itapoan encaminhou às autoridades um pedido formal de investigação e pediu a adoção das medidas legais cabíveis pela delegacia especializada. De acordo com nota da emissora, a Record TV Itapoan “confia no trabalho e está à disposição das autoridades para contribuir com o necessário para a elucidação dos fatos, de acordo com a legislação vigente”.
A Polícia Civil informou que está em uma nova fase de apurações do caso. Vídeos e prints de redes sociais estão sendo analisados, além dos depoimentos e de matérias jornalísticas.
Negativa
Desde que o caso sobre o desvio de doações veio a público, alguns nomes de jornalistas foram especulados nas redes sociais. Um dos alvos foi a repórter Daniela Mazzei, atacada por seguidores na internet. Ao CORREIO, Daniela disse que está tomando todas as medidas jurídicas e legais para se defender e ter algum tipo de retratação.
“Disseram que uma repórter mulher que estaria de férias seria demitida quando retornasse ao trabalho. Na internet também surgiram várias ofensas e julgamentos por parte de alguns seguidores. Me sinto vítima de fake news. Apesar de ter a consciência muito tranquila de que não fiz nada e que não tenho envolvimento com isso, fico triste com toda essa repercussão negativa envolvendo meu nome. Eu e minha família estamos muito abalados com tudo. Tenho uma carreira limpa. Sou uma pessoa íntegra”, frisou.
Caso ainda repercute
De acordo com informações, a Record só tomou conhecimento da fraude depois que o jogador de futebol Anderson Talisca, ex-Bahia, doou um valor para uma criança com câncer e procurou a família para checar como estavam e colocar a doação no imposto de renda. Informado de que não teriam recebido dinheiro algum, o atleta acionou a produção da emissora. Procurado, o jogador ainda não se manifestou sobre a situação.
O apresentador do Balanço Geral, programa onde as vítimas apareciam para pedir doações, também foi procurado pela reportagem. Em resposta, disse que ele e a emissora são vítimas e não iria se manifestar sobre o caso.
Ao podcast Bahiacast, no entanto, ele confirmou o contato com o empresário do jogador. “Fui eu quem descobri a situação através do empresário de Talisca. E, na mesma hora, ele me explicou e eu disse ‘não é possível’. […] Foram três dias sem dormir, tentando acreditar que aquilo era um pesadelo, que era uma mentira”, contou ele, que passou o caso para a direção da emissora.
À reportagem, os responsáveis pela Record TV Itapoan já garantiram que o caso vai ser tratado com rigor e as medidas cabíveis serão tomadas. O diretor de jornalismo, Gustavo Orlandi, confirmou o compromisso da empresa com a investigação do caso. Sem dar nomes, ainda no Bahiacast, José Eduardo afirmou que foi difícil de acreditar quando os suspeitos foram revelados a ele.
“É um fato que me choca, eu tenho 33 anos de jornalismo. Passei por vários frustrações. Tudo passa, esfria. Mas esse eu sei que não vai passar. São pessoas que eram de total confiança. […] Pessoas bem empregadas, com total confiança dentro da empresa e uma carreira monstruosa pela frente”, disse ele.
Revolta das vítimas
Conforme nota encaminhada ainda na segunda-feira (13) pela polícia, “o crime consiste em arrecadar doações para pessoas em estado de vulnerabilidade social, porém o valor não era repassado para as vítimas”, escreve a PC.
O ambulante Adriano Lima, 38 anos, que trabalhava na Praça do Sol, em Periperi, é uma das vítimas do golpe das doações enviadas por pix que está sendo apurado pela emissora e pela polícia. Em setembro do ano passado, depois de ter móveis, eletrodomésticos e itens de trabalho furtados da sua casa, no bairro de Nova Constituinte, ele teve a situação exibida pela TV Itapoan/ Record, no programa Balanço Geral.
“Mostraram ao vivo que minha casa tinha sido arrombada. José Eduardo disse que muita gente ajudou e eu não vi um centavo das doações”, diz o ambulante.
A diretoria do Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba) anunciou que acompanha as apurações da denúncia de desvio de ajuda financeira destinada a telespectadores do programa Balanço Geral, da Record/TV Itapoan, que teria como alvo jornalistas da emissora. Em nota, o sindicato reforçou que, até o momento, não há confirmação oficial dos nomes dos supostos envolvidos.
“O Sinjorba alerta para o cuidado e rigor na apuração jornalística desse fato, para evitar pré-julgamentos e ilações, visando preservar o conjunto dos profissionais de jornalismo, que exerce de forma ética o seu ofício na Rede Record no Estado”, diz a entidade representativa.
O Sinjorba também chamou atenção “para que o veículo trate o assunto com a transparência necessária, evitando prejuízos à imagem da categoria”. A entidade informou que aguardará o fim das investigações, com a devida identificação dos suspeitos, para manifestar sua opinião. Acrescentou que “que respeitará o devido processo legal na apreciação de qualquer representação que seja recebida e encaminhada à sua Comissão de Ética”. (Correio)