O coronavírus ataca as pessoas de maneiras diferentes. Enquanto alguns mal sentem a doença, outros vão parar nos respiradores e podem morrer. Ainda não se sabe ao certo o que diferencia esses dois grupos. Os fatores mais evidentes, é claro, são a idade avançada e doenças crônicas – que, por si só, já abarcam 22% da população.
Além disso, estudos apontam que certas mutações genéticas também podem agravar os sintomas. Há até hipóteses que tentam explicar porque os homens morrem mais do que as mulheres. Existem, ainda, casos graves e mortes de pessoas que não se encaixam no grupo de risco, como jovens e crianças. No final das contas, uma série de fatores influencia na maneira como o corpo vai lidar com o vírus.
Uma pesquisa publicada no The New England Journal of Medicine coloca mais uma peça nesse tabuleiro: os tipos sanguíneos. Cientistas alemães e noruegueses investigaram a influência do sistema ABO em pacientes graves com covid-19. Foram analisados 1980 pacientes internados em hospitais da Itália e Espanha, além de 2381 pessoas de um grupo de controle, que estavam saudáveis ou apresentaram apenas sintomas leves da doença.
A conclusão é que as pessoas do tipo A possuem mais chances de desenvolver a versão grave da doença do que outros grupos sanguíneos.
Já os portadores do tipo O mostraram a menor probabilidade de todos os grupos. O estudo revelou que o número de pacientes de tipo A internados chega a ser duas vezes maior do que os de tipo O.
Os tipos sanguíneos A e O são os mais comuns no mundo, e no Brasil também – o tipo A corresponde a cerca de 42% da população, enquanto o tipo O corresponde a 45%. Pessoas com os tipos B e AB aparecem em uma porcentagem bem menor das pessoas, portanto, esses grupos não tiveram resultados significativos na pesquisa.
Para chegar aos resultados, os cientistas fizeram um estudo de associação genômica, ou seja, vasculharam o DNA de todos os participantes.
Ao fazer comparações entre eles, identificaram duas regiões do genoma que estão associadas ao risco de desenvolver quadros mais graves da covid-19. Essas regiões incluem o gene que determina o tipo sanguíneo e alguns outros genes que estão relacionados à resposta imune.
Os resultados corroboram com um estudo anterior, realizado por cientistas chineses ainda em março. Ele foi feito com 2173 pacientes em Wuhan e Shenzhen, e também apontava um risco maior em pessoas de tipo A e menor em pessoas de tipo O.
Qual é a razão por trás disso tudo? Existem hipóteses. Vamos lembrar das aulas de biologia e começar com a diferença básica entre os grupos sanguíneos:
as proteínas presentes na superfície das hemácias (também chamadas de glóbulos vermelhos, as células responsáeis por transportar o oxigênio no sangue). Quem tem sangue A possui proteínas de tipo A; quem tem sangue B possui proteínas de tipo B; quem tem sangue AB possui os dois tipos; e quem tem sangue O não tem nenhuma.
Não é só isso. O tipo sanguíneo também determina alguns anticorpos presentes no sangue. O anticorpo anti-A, por exemplo, ataca a proteína A. Já o anticorpo anti-B ataca a proteína B. Aí é só fazer a correlação: se uma pessoa tiver sangue tipo A, ela não pode ter anticorpos anti-A, pois eles atacariam as proteínas presentes nas hemácias – portanto, ela só tem anticorpos anti-B. A mesma lógica vale os portadores de sangue tipo B. Os portadores do tipo AB não podem ter nem o anti-A nem o anti-B.
Como o sangue O não possui nenhuma proteína na superfície das hemácias, tudo bem ele ter os anticorpos anti-A e anti-B. Basicamente, a diferença entre os sangues de tipos A e O é que o tipo O possui o anticorpo anti-A, enquanto o tipo A não possui esse anticorpo.
O sistema imune de pessoas tipo O é mais afiado quando se trata de reconhecer proteínas estranhas, o que pode se estender para as proteínas na superfície dos vírus. No caso da malária – causada por um protozoário –, estudos mostram uma menor prevalência da doença em pessoas com sangue tipo O.
Em 2008, um estudo mostrou que o anticorpo anti-A pode inibir a conexão entre o vírus Sars-Cov-1 (causador da epidemia da SARS em 2008) e a enzima ACE2, presente nas células humanas. Essa enzima se liga às proteínas spike, aqueles “espetos” presentes na superfície dos coronavírus. Ela é a porta de entrada para o antigo e o novo coronavírus.
Não sabemos se essa mesma inibição acontece com o Sars-Cov-2. Como falamos antes, tudo isso são hipóteses. Já se sabe, por exemplo, que o agravamento da doença está relacionado à formação de coágulos no sangue, mas não sabemos se isso tem a ver com o tipo sanguíneo do paciente.
Esse é um dos primeiros estudos mais aprofundados sobre o sistema ABO e a Covid-19. Ele não significa que as pessoas do tipo A devam entrar em desespero, e nem que as do tipo O estejam blindadas. Existem pessoas de ambos os tipos sanguíneos com quadros leves e graves.
Os cientistas ressaltam que ainda são necessárias pesquisas com um número maior de pacientes, mas que os resultados até agora indicam a correlação entre o grupo sanguíneo e o agravamento da covid-19. Entender esse mecanismo é essencial para a produção de medicamentos e vacinas eficientes para o combate à doença.
Por Maria Clara Rossini – Superinteressante / Abril