A judoca Amanda Dutra tem passagem aérea marcada para o Líbano para quarta-feira, dia 1.º de maio. O bilhete é só de ida. Insatisfeita com a falta de apoio da Confederação Brasileira de Judô nos últimos anos, a segunda colocada no ranking brasileiro nos meio-médios (até 63 kg) decidiu se naturalizar libanesa. Seu sonho é a Olimpíada de Tóquio. Seus pais estão apreensivos com a viagem, a filha vai sozinha e nunca morou fora do País. Amanda confessa que foi difícil tomar a decisão, mas está indo atrás do seu grande sonho.
Ela é mais uma atleta do judô que decide trocar de País. Só neste ano, três lutadores procuraram a entidade para mudar a bandeira. Preocupada com esse êxodo, a Confederação Brasileira de Judô publicou uma resolução administrativa que determina que competidores da seleção brasileira que queiram trocar de “time” paguem uma taxa administrativa que varia entre R$ 50 mil e R$ 150 mil como forma de reparação pelos investimentos da entidade no desenvolvimento do atleta. Caso contrário, os judocas devem seguir o regulamento internacional de transferências que prevê uma espécie de quarentena de três anos sem competições oficiais antes de o atleta mudar de lado.
Embora o número de pedidos seja baixo, os dirigentes coçaram a cabeça quando viram a idade dos atletas: todos no início da carreira, com mais ou menos 21 anos. Isso aponta uma mudança no perfil de quem arruma as malas. Não são apenas os mais experientes atrás de novos rumos em uma modalidade concorrida, os juniores também estão seguindo para os aeroportos.
Até 2018, os casos envolviam atletas mais experientes. Um dos primeiros a partir foi Nacif Elias, meio-médio (até 81 kg) que virou libanês em 2009. Camila Minakawa preferiu ir para Israel em 2013. No fim do ano passado, Rochele Nunes e Barbara Timo se tornaram portuguesas. “Acredito que o Brasil está investindo apenas em poucos atletas, e as pessoas vão se naturalizando pelas oportunidades que surgem na carreira”, diz Nacif.
Outro fator é a diferença no número de torneios lá fora. Na seleção brasileira, o competidor faz apenas quatro ou cinco competições ao ano. Em uma seleção europeia, consegue fazer até oito torneios por temporada. Quando mais competições, mais chances de somar pontos no ranking internacional e mais convites para as disputas. A medida da CBJ é polêmica. Advogados ouvidos pelo Estado questionam a cobrança da taxa. “As normas da CBJ têm aplicação restrita ao Brasil e não podem limitar de qualquer forma a liberdade de trabalho e o direito que possuem os atletas de representar outros países, caso satisfaçam os requisitos de nacionalidade fixados por aquele país e pela federação internacional de judô”, opina Eduardo Carlezzo, advogado especialista em Direito Desportivo em São Paulo.
A entidade se defende citando as regras da Federação Internacional de Judô. “Não impedimos ninguém de sair do Brasil. Os atletas podem sair, mas devem seguir a determinação internacional. São três anos sem competir. Não é uma determinação da CBJ, mas sim da Federação Internacional de Judô”, rebate Ney Wilson, gestor de Alto Rendimento da CBJ.
O especialista explica que a determinação brasileira está alinhada ao que fazem hoje países como Canadá, Alemanha e Holanda. “Nós nos inspiramos nesses países para criar essa forma de reparação pelos investimentos. Não saiu da nossa cabeça”.
Amanda conseguiu escapar da cobrança por ter financiado, do próprio bolso, as competições de que participa desde 2007. Com isso, caiu por terra o argumento de reparação da confederação. Para completar a renda, ela dá aulas de judô em três escolas e já fez bicos em um salão de beleza, como maquiadora e cabeleireira. “Não investiram em mim. Saio frustrada com o País. Para não me frustrar com o esporte, que sempre foi minha paixão, estou buscando outro lugar para defender, outro país”, diz a dona de duas medalhas (prata e bronze) em pan-americanos.
Vários fatores explicam o começo da debandada dos judocas. Em algumas categorias, a concorrência é pesada, pois o Brasil é um grande formador de atletas. Em outros casos, alguns competidores esbarram na idade. “Seria possível chegar à Olimpíada pelo Brasil, mas existe a necessidade de renovar o time. Com isso, as apostas para mim seriam menores e entendo isso”, diz Rochele Nunes, que tem 30 anos e agora compete nos pesados (+ 78 kg) por Portugal.