Além de programas de governo, promessas e experiência na vida pública, um fator que pode ser relevante para a escolha do eleitor neste ano é a personalidade dos candidatos. Quais são suas qualidades e defeitos pessoais? Ou, num vocabulário clássico da filosofia, suas virtudes e vícios?
Para ajudar a conhecer melhor a conduta e o comportamento dos presidenciáveis mais bem posicionados nas intenções de voto, a Gazeta do Povo ouviu pessoas próximas que conviveram com cada um deles, uns que mantêm relação boa com cada pré-candidato e outros que se afastaram, por desavenças pessoais ou políticas.
Também consultado para essa reportagem, o escritor e filósofo Luiz Felipe Pondé fez um alerta. Em geral, segundo ele, os eleitores só enxergam as qualidades e defeitos que querem nos candidatos, projetando sobre eles suas próprias expectativas. Atentos a isso, políticos e seus profissionais de marketing se esforçam para passar a imagem que mais lhes agradam para conquistar seus votos.
“A democracia, como dizia o Platão, é um regime teatral. Já era em Atenas, continua sendo hoje, talvez mais ainda. É um regime de performances, de imagem, de narrativa. Há um déficit cognitivo da possibilidade de verdade na democracia”, diz Pondé. Citando Aristóteles, ele diz que os vícios e virtudes de uma pessoa são conhecidos por quem realmente convive de perto com ela.
No momento de governar, no entanto, a personalidade do político, “em algum grau, sempre vai contar”. E nem sempre, acrescenta Pondé, as virtudes e vícios aparentes da pessoa, aos olhos do público, revelarão o valor do que efetivamente eles realizam na vida pública.
“Você pode ser um cara grosso e alcoólatra, como Winston Churchill, e ser corajoso para enfrentar o nazismo. Pode tratar bem sua secretária e ser sensível aos animais, e fazer o que Hitler fez. Pode estar envolvido em escândalos sexuais e ser como Franklin Roosevelt foi, um grande presidente dos Estados Unidos”, exemplifica.
Para selecionar os presidenciáveis, essa reportagem considerou os cinco que mais pontuaram na última pesquisa realizada pelo Instituto Quaest. Na disputa de primeiro turno, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve 45% das intenções de voto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) apareceu com 23%, o ex-juiz Sergio Moro (Podemos) obteve 9%, o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) marcou 5%, e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), alcançou 3% (a metodologia está descrita ao final desta reportagem).
Vamos às opiniões sobre cada um dos pré-candidatos, segundo seus aliados ou rivais, em alguns casos:
Lula: comunicador e “embrulhão”
Metalúrgico que abriu as portas do meio sindical para Lula, nos anos 1960, Paulo Vidal chama o ex-presidente de sua “cria”, e o considera como um “irmão mais novo” ou “filho mais velho”. Conhecendo-o desde sua juventude e destaca sua “facilidade de comunicação pessoal”, que era reconhecida desde aquela época. “Ele tinha bom acesso a todos os agrupamentos de esquerda, de centro, de direita dentro do Sindicatos dos Metalúrgicos de São Bernardo. Um pernambucano que falava bem, sempre contente, sempre ao lado de todo mundo”, diz.
“Tem como valor pessoal uma simpatia muito grande em termos de comunicação. Chegou a dizer para mim uma vez que ‘meu negócio é ter um microfone na minha mão. Foi treinado para isso. É bom orador, sabe falar os que os outros querem ouvir”, completa, referindo-se principalmente ao início da trajetória de Lula na representação dos trabalhadores.
Vidal, no entanto, avalia que Lula só ascendeu como o maior líder sindical do país, e depois como maior político do PT, por se deixar seduzir pelo empresariado e pelo poder político, ainda na época do regime militar. “Depois que ele foi cooptado pelo poder econômico e pela ditadura, se tornou um manipulador de massa, como os grandes políticos que estão aí. É dissimulador, o cara é muito ‘embrulhão’”, diz Vidal, ao comentar a capacidade de Lula de ludibriar seus apoiadores e aliados com falsos compromissos.
O ex-ministro da Educação Cristovam Buarque, demitido por Lula após um ano na pasta, em 2004, tem uma visão semelhante. Diz que o petista tem a “capacidade de aglutinar”. “Ele junta e abraça as pessoas, no sentido figurativo. Elas se sentem bem perto dele, o que é uma qualidade fundamental de um político. Ele também tem o sentimento do pobre, do povo, que raros políticos brasileiros têm”, afirma. “Outra qualidade é a capacidade de apreender o que as pessoas falam, mesmo que não goste e seja contra. Apreende e tem visão do que vai acontecer com aquilo”, reflete o ex-ministro.
Segundo Cristovam Buarque, Lula o dispensou porque queria priorizar o ensino superior, enquanto ele propunha melhorar a qualidade do ensino básico e investir na alfabetização de adultos. “Ele percebeu que isso não daria voto e, além disso, precisava do cargo”, diz. Na época, Lula deu a pasta da Educação para o ex-governador Tarso Genro, do PT, e contemplou o PMDB, colocando o ex-governador do Rio de Janeiro Moreira Franco à frente do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), composto por empresários e personalidades para formular propostas para o país. Isso indica, segundo ele, um defeito de Lula.
“Ele é imediatista. Não vê o Brasil estrategicamente. É um gênio para ter voto no curto prazo. Mas ter a urgência de ter voto atrapalha. O presidente tem que olhar lá na frente, embora para ser eleito tenha que pensar no presente”, explica Cristovam Buarque.
Bolsonaro: transparente e intempestivo
Amigo há 40 anos de Jair Bolsonaro, o ex-deputado federal Alberto Fraga diz que a maior qualidade dele é a transparência. “Fala o que tem de ser dito. Enquanto outros escondem, ele fala”, diz o político. Fraga sempre andou junto com Bolsonaro quando os dois eram parlamentares e é também um entusiasta do armamento da população civil.
Eles se afastaram no ano passado, depois do falecimento da mulher de Fraga por Covid. Ele também passou a discordar da desconfiança de Bolsonaro em relação à vacina contra a doença. “Eu disse algumas vezes que a economia se recuperava. As vidas não. Isso fez com que, em diversas situações, eu fosse me decepcionando com algumas posturas. Eu não consigo entender essa falta de sensibilidade do presidente com relação à morte das pessoas”, afirmou o ex-deputado, numa entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em setembro.
Ele não culpa Bolsonaro pela morte da mulher, mas diz que se afastou dele para não estragar a amizade. “Sempre fui amigo do Jair Messias Bolsonaro. Nunca fui amigo do presidente.”
À Gazeta do Povo, Fraga disse que o maior defeito de Bolsonaro é a intempestividade. “Não pensa para falar as coisas, fala tudo na lata. Aí é onde vem o problema com a imprensa, que quer ouvir uma coisa e ele diz outra. Ele não é previsível, tem as posições dele mesmo. É um político diferenciado dos outros”, diz.
Nos últimos anos, o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) se aproximou bastante de Bolsonaro, a ponto de ser visitado por ele no hospital quando esteve internado, após duas convulsões, no final de 2019. “Foi carinhoso e preocupado comigo. Ele não é mau, como muita gente diz, como se quisesse que todo mundo se ferrasse. É atencioso e sempre me tratou muito bem.”
Mas, fora isso, Kajuru diz não ver outras virtudes em Bolsonaro, principalmente na política. “O que fala sobre corrupção, não consegue sustentar. É uma grande decepção. O que ele fala, no fundo, se você ver no governo, não é o que ele faz. Tanta coisa errada e tanta gente ao redor dele praticando corrupção. O Orçamento Secreto, por exemplo. O próprio [Hamilton] Mourão disse que é para quem apoia o governo. Ele é igual ou pior que o mensalão”, afirmou.
Moro: assertivo e frio
Um dos maiores apoiadores de Sergio Moro, o empresário e senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) diz que suas maiores qualidades são honestidade e coerência.
“Fala sempre a verdade e não rouba”, diz. E a coerência, para ele, se revela pelo fato de que suas opiniões não são contrárias àquilo que pratica. “Fala aquilo que faz. E tudo que fala segue a mesma lógica, a mesma filosofia. É também uma pessoa sempre aberta à ciência, que lê muito e conhece muita coisa”, completa o senador.
Questionado sobre defeitos, Oriovisto diz que Moro é “um pouco tímido”. “Para um político, melhor seria que fosse mais sociável, conversasse mais, abraçasse as pessoas, desse mais risada. Talvez pelo fato de ter sido juiz, é mais reservado, é mais na dele, mais formal. Para aquilo que se propõe, ser um político, coloco como um ‘defeito’”, diz o senador.
A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) foi uma das maiores apoiadoras de Moro, desde a época em que ele era juiz da Lava Jato e ela uma líder de movimentos de rua contra o PT. Depois que ele deixou o governo, acusando Bolsonaro de tentar interferir na autonomia da Polícia Federal, ele tornou-se para ela um desafeto. O rompimento na relação pessoal fui ruidoso.
Até o último momento, Zambelli, que teve Moro como padrinho de casamento, tentou mantê-lo no Ministério da Justiça. Numa mensagem a ele em 2020, disse que se ele aceitasse no comando da PF o delegado Alexandre Ramagem, preferido de Bolsonaro para o cargo, poderia ser depois indicado pelo presidente para uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal.
“Prezada, não estou à venda”, respondeu Moro na época. Zambelli se ressente do vazamento dessa conversa para a imprensa e, desde então, passou a criticar Moro.
Questionada pela reportagem sobre uma qualidade dele, respondeu inicialmente que ele é “calmo”. Depois, diante de mais questionamentos, escreveu: “Na política dizem que a frieza é uma qualidade. Moro é frio e calculista, dissimulado a ponto de ninguém conseguir interpretar suas intenções.”
E quanto a um defeito? “Desleal e traiçoeiro, faz qualquer coisa para atingir seus objetivos”, respondeu Zambelli. As respostas foram dadas por meio de sua assessoria de imprensa. A reportagem pediu uma conversa, mas a deputada estava com agenda repleta de compromissos, segundo uma de suas assessoras.
Doria: proativo e individualista
Um dos maiores apoiadores de João Doria, o deputado federal e ex-prefeito de Jundiaí (SP) Miguel Haddad destaca como qualidade sua proatividade. “É um sujeito muito proativo, muito ativo, muito trabalhador, tem muita energia. Se conversar com ele às 9h da manhã ou às 22h da noite, ele está com a mesma disposição. Ele tem essa vitalidade, essa energia”, diz o parlamentar. Ele atribui ao “foco” de Doria uma gestão que considera exitosa no estado.
Quanto às falhas, Miguel Haddad evitar em “defeito”, mas aponta uma característica que, segundo ele, foge ao padrão de políticos. “Como é alguém muito objetivo, e a classe política gosta de uma discussão mais demorada, o Doria recebe, mas atende de forma muito objetiva. Muitas vezes o político senta, e quer um diálogo muito longo. O Doria dá atenção, mas é alguém com agenda, com horário para iniciar e para terminar. É uma característica diferente”, diz.
Opositor ferrenho de Doria, o ex-presidente do PSDB em São Paulo Pedro Tobias diz que o governador “foi um grande empresário”, mas, dentro da política, “não tem amigo”. “Nunca fabricou nada, mas vendia no papo, enfim, e ficou rico”, ironiza. Para ele, Doria é “egoísta”, “só pensa nele e acha que ele é melhor que os outros” e “não agrega nada”.
Ele conta que trabalhou por Doria na eleição de 2018 para governador, mas que, antes de assumir o cargo, ele quis criar “um novo PSDB”, o que, na visão de Tobias, acabou com o partido em São Paulo e também acabará com a legenda no país. “A vida na política precisa de um grupo, de um time. Ele não tem time. Hoje, dá dinheiro para tantos deputados, mas não bate papo e não toma café com nenhum deputado. Compra eles, dá dinheiro para a cidade deles”, diz Tobias.
O ex-dirigente deixou o PSDB recentemente, junto com o ex-governador Geraldo Alckmin, que, segundo ele, teve a pretensão de se candidatar novamente no estado pelo partido boicotada por Doria.
Ciro Gomes: indignado e explosivo
Por três dias, a reportagem tentou falar com ao menos cinco políticos próximos de Ciro Gomes, alguns aliados e outros que romperam com ele. Nenhum, porém, aceitou colaborar com suas opiniões, por desinteresse ou indisponibilidade de agenda.
O pré-candidato é conhecido por declarações agressivas contra adversários. Questionado, em entrevista recente, sobre o tom “belicoso” que adota em manifestações públicas, Ciro disse que tem amadurecido.
“Percebi que muitas vezes uma frase mais forte, que é expressão da minha indignação com as coisas do Brasil, muito mais assusta que comove. E a mensagem, para um bom comunicador, que eu tenho que ser sem sê-lo, pertence a quem recebe a mensagem e não a quem emite. Então, não me custa nada aprender com alguns erros que eu cometi, pisei em algumas cascas de banana, mas estou muito mais maduro, mais experiente e mais que tudo, minha responsabilidade está crescendo muito. O momento brasileiro pede muito equilíbrio, muita severidade, muita autoridade e eu não vou errar”, afirmou, no programa Canal Livre, da TV Bandeirantes.
Metodologia da pesquisa
A pesquisa citada nesta reportagem, realizada pelo Instituto Quaest e contratada pelo Banco Genial, e registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o número BR-00075/2022, ouviu 2 mil eleitores entre os dias 6 e 9 de janeiro. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos; e o nível de confiança é de 95%.
Informações: Gazeta do Povo / Por Renan Ramalho