O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, composto pelo presidente da corte e mais 24 desembargadores, determinou que a Prefeitura de São Paulo inclua a população escolar transmasculina em sua política de distribuição de absorventes menstruais.
A decisão foi tomada no âmbito de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo diretório estadual do PSOL.
Destinada a estudantes da rede municipal em situação de vulnerabilidade, a lei que instituiu a distribuição de absorventes foi sancionada no ano passado com o objetivo de evitar a evasão escolar durante o período menstrual.
Seu texto, porém, faz menção apenas ao oferecimento dos absorventes “às alunas” e ao uso do item de higiene pelas estudantes, no feminino.
Na visão de parlamentares, a redação excluía pessoas que foram designadas como mulheres ao nascer e, posteriormente, passaram a se identificar com o gênero masculino ou como não binárias (que não se identificam como homem ou mulher).
A Ação Direta de Inconstitucionalidade do diretório estadual do PSOL argumentava que, ao associar o ciclo menstrual apenas a mulheres cisgêneros, a lei da capital paulista promovia “a invisibilização de outras possibilidades de existências”.
“A pobreza menstrual, que de fato atinge meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade, também compromete a saúde de parte expressiva da comunidade transmasculina no Brasil, fazendo com que seja privada do acesso a itens básicos de higiene íntima”, dizia o documento.
A ação foi julgada procedente por seu relator no tribunal, o desembargador Manuel Matheus Fontes.
“As expressões normativas questionadas direcionam o programa de saúde pública à lógica binária de gênero, excluindo, efetiva ou potencialmente, pessoas que à luz de seus direitos à diversidade sexual, emanados dos princípios de liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana, também devem ser beneficiárias em obséquio à liberdade de identidade de gênero, caso dos transmasculinos”, afirmou o magistrado ao declarar seu voto.
“Os serviços públicos não podem discriminar negativamente pela utilização, em sua redação, de vocábulos com tônica de direcionamento a pessoas do sexo feminino”, continuou Fontes.
O voto do relator foi acompanhado pelos demais desembargadores por unanimidade.
Ao se manifestar sobre o caso, o Ministério Público de São Paulo afirmou que, embora não seja totalmente inconstitucional, a lei discrimina pessoas inseridas no ambiente escolar que não se enquadram na lógica binária da classificação sexual ou de gênero.
“Emerge desses textos normativos a exclusão de pessoas que, de acordo com os direitos à diversidade sexual, transcendem o padrão binário (masculino/feminino), como os transmasculinos, de maneira a molestar os princípios de igualdade e dignidade da pessoa humana que os serviços públicos devem preservar”, afirmou, em seu parecer, o subprocurador-geral de Justiça Wallace Paiva Martins Junior.
A decisão do Tribunal de Justiça paulista é celebrada pelos advogados que representaram o PSOL. Segundo eles, a decisão é a primeira do país a reconhecer a existência e a necessidade de que homens trans sejam incluídos em políticas públicas.
Na época em que o projeto de lei, de autoria do prefeito Ricardo Nunes (MDB), foi discutido na Câmara Municipal, a vereadora Erika Hilton (PSOL) e o vereador Thammy Miranda (PL) chegaram a apresentar uma proposta substitutiva que sugeria pronomes neutros para sua redação. O texto acabou sendo rejeitado em plenário.
“Foi necessária a modificação dos pronomes pessoais destinados exclusivamente a meninas e mulheres no âmbito escolar, uma vez que também há outras pessoas que menstruam nesses ambientes”, afirma Hilton sobre a decisão.
“Sabendo que grande parte da população trans não é incluída no meio estudantil por diversas violências que ocorrem nas escolas, devemos garantir que essas pessoas possam ter acesso aos itens de higiene, bem como às orientações e acompanhamentos oferecidos”, diz ainda. (BN)