Ex-funcionários da Prefeitura de Belford Roxo, no Rio de Janeiro, afirmam ter sido demitidos pelo prefeito Wagner Carneiro, o Waguinho (União Brasil), por se recusarem a apoiar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições. Ele é marido da ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil).
Ao menos cinco ex-servidores relatam ter sido exonerados por Waguinho ou não ter recebido salário a partir do mês de outubro, após contrariarem orientações dos seus chefes para ir a comícios após o expediente ou devido a conteúdos publicados na internet.
Eles mostram folhas de ponto com os dias trabalhados e prints de grupos de mensagem com as cobranças por comparecimento aos atos políticos, apontando que outros conhecidos teriam passado pela mesma situação, mas ficaram com medo de falar com a Folha.
Daniela e Waguinho estão entre as poucas lideranças que apoiaram Lula abertamente na Baixada Fluminense. A nomeação para ministério de Daniela, reeleita deputada federal, foi uma retribuição por isso, além de uma forma de contemplar o União Brasil e ampliar a presença feminina no governo.
Eles fizeram campanha na cidade nas últimas três eleições, de 2018 a 2022, ao lado de ao menos quatro acusados de integrarem a milícia local, sob clima hostil e armado. Um deles é o ex-PM condenado Juracy Alves Prudêncio, o Jura, cuja família mantém vínculos com o casal, como mostrou a Folha. Outros dois continuam nos cargos de secretários municipais.
Procurada, a Prefeitura de Belford Roxo afirmou que exonerações ocorreram porque a gestão “criou uma nova estrutura administrativa, já aprovada na Câmara Municipal”. Também disse que, “se algum servidor compareceu a evento político de qualquer candidato, foi de livre vontade”.
Relatos sobre esse tipo de exigência já haviam sido noticiados pelo RJ2, da TV Globo, e também foram investigados na campanha do casal de 2018, em processo arquivado, de acordo com o portal Metrópoles.
Segundo ex-funcionários ouvidos a respeito da campanha de 2022, pessoas em cargos de chefia das secretarias municipais faziam listas de quem ia aos comícios da então candidata, cobravam fotos deles nesses locais e monitoravam suas redes sociais. Também houve ameaças pessoais de demissão por telefone e mensagem.
A professora Simone Paula Oliveira, 48, afirma que recebeu seu último salário em 20 de setembro, antes do primeiro turno. Após dar aulas durante todo o mês de outubro, não viu mais o dinheiro cair na conta. Foi até a prefeitura cobrar, mas descobriu que seu contrato havia sido cancelado.
“Fui cancelada porque apoiei [Jair] Bolsonaro e não fui nas reuniões que eles obrigavam a ir. Diziam: ‘Se não for, o nome vai ser anotado e vai ser exonerado’”, afirma ela, que também trabalhou diretamente nos gabinetes de Waguinho de 2015 a 2020, enquanto ele era deputado estadual e depois prefeito.
Outros quatro ex-servidores que não quiseram se identificar narram os mesmos fatos, ocorridos, além da pasta da Educação, na Saúde.
Eles afirmam que não têm dúvidas de que foram desligados por suas posições políticas. Três deles contam que, ao buscar respostas, ouviram isso de pessoas próximas ao prefeito, incluindo que estavam sendo observados nas redes sociais.
Em um dos grupos, uma administradora escreveu em outubro: “Pessoal peço para que todos aqui do grupo estejam presentes amanhã lá no centro de Belford Roxo, o grupo foi criado para apoiar o candidato Lula, infelizmente muitos do que aqui estão, não está comparecendo aos eventos do nosso grupo [sic]”.
“Quem puder por favor vamos mudar o perfil do tel [sic]”, afirmou em outra mensagem, abaixo de uma montagem com as fotos de Waguinho e Lula. Em um outro dia, ela escreveu: “Lembrando sempre que ninguém é obrigado a ir, tem que ir de coração”.
Horas após a vitória de Lula, Waguinho subiu num palanque na praça de Heliópolis, próxima ao centro da cidade, e discursou: “[Os traidores] não ficarão mais conosco. E se você conhece algum Judas, denuncie, porque quem não chorou conosco na hora da luta, não pode sorrir conosco na hora da vitória”.
As pessoas com quem a reportagem conversou foram dispensadas antes de uma exoneração em massa feita pelo prefeito por decreto em 31 de dezembro, determinando a saída de todos os empregados temporários e comissionados do município.
Milhares de trabalhadores de escolas, unidades de saúde e outros serviços pararam de receber, exceto médicos e dentistas. A dispensa gerou revolta na cidade.
Mesmo sem a perspectiva de receber salário, porém, a maioria deles segue trabalhando, sob a ameaça de não ser recontratada nos processos seletivos que a gestão abriu neste mês.
Segundo a professora Oliveira e outros ex-servidores, esse tipo de prática sempre foi praxe nas gestões de Waguinho. “Eu fui exonerada umas cinco vezes e voltei as cinco vezes. Todo ano é a mesma coisa, levar papel, ficha criminal. Ele sempre pagou quando quis e o quanto quis”, afirma ela.
O Ministério Público do RJ abriu uma apuração sobre a demissão em massa e recomendou nesta quarta (25) que o prefeito realize concursos públicos para equilibrar a proporção entre cargos comissionados e efetivos. O desequilíbrio viola “princípios da eficiência, moralidade e impessoalidade da administração pública”, diz.
Nos últimos dias, indo no sentido contrário, a prefeitura readmitiu por decretos cerca de 400 servidores, entre eles pessoas que fizeram campanha ostensiva por Daniela, segundo levantamento do jornal Extra.
Procurado, o município afirmou que todos que prestaram serviços até o dia 31 de dezembro de 2022 estão com os salários em dia, inclusive o 13º, e que “as readmissões estão sendo realizadas de acordo com as necessidades de cada setor”.
Disse ainda que os funcionários readmitidos “são técnicos que estão ligados diretamente a serviços essenciais” e que “não tem gerência sobre as redes sociais de servidores”.
A gestão não respondeu quantas pessoas foram demitidas em outubro, novembro e dezembro nem explicou por que os exonerados continuam trabalhando sem receber.
Também procurada, a assessoria da ministra Daniela Carneiro afirmou que as questões deveriam ser respondidas pela Prefeitura de Belford Roxo. (Política Livre)