Cada vez mais afetados, jovens com quadro grave de covid-19 na Bahia relatam pânico

(Foto: Marina Silva/Correio)

Pacientes com menos de 60 anos estão, cada vez mais, presentes entre os casos mais graves de covid-19, diferente do que ocorreu na primeira onda da pandemia. E não se trata só de um aumento proporcional, devido ao número crescente de casos confirmados. Agora, entre os casos graves, há cada vez mais pacientes jovens. 

Essa percepção já começa a dar sinais nos números. Ao Correio, algumas unidades de saúde confirmaram que uma mudança de perfil vem acontecendo aos poucos. Só no Hospital Santa Izabel, houve um aumento de 25% de pacientes com idades entre 30 e 59 anos de dezembro para cá, em comparação aos meses de março a novembro. 

O Sistema Hapvida, que administra uma rede de hospitais que inclui o Hospital Teresa de Lisieux, também confirmou essa tendência. Nas UTIs da rede, 65% dos internados têm menos de 60 anos. Nos outros leitos, 84% são ocupados por pacientes com essas idades. 

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) confirmou o crescimento de jovens entre casos graves. O órgão não divulgou estatísticas, mas o percentual de pacientes com menos de 60 anos internados na rede municipal na última sexta-feira (5) era de 20,9% – 226 dos 1.077. Abaixo, reunimos relatos de alguns jovens que fazem parte do grupo de infectados que, mesmo com um histórico de saúde supostamente fora do grupo de risco, sofreu e, em muitos casos, quase morreu com a doença.

‘Sou jovem, saudável, me alimento bem. De repente, fui acometida por um vírus traiçoeiro’

A contadora Joicy Moreira, 35 anos, sempre teve atenção especial com a saúde. Mantinha a alimentação saudável, fazia crossfit cinco vezes por semana. Mesmo sendo asmática, tem a doença controlada há anos. “No ano passado, por exemplo, só tive crise uma vez”, lembra. Quando a pandemia chegou, continuou tomando os cuidados em casa.

Mas, em fevereiro deste ano, veio o baque. Ela entrou para a estatística da segunda onda da covid-19 no estado. E mais: com comprometimento de 25% dos pulmões, se tornou uma das pacientes jovens que precisou ser hospitalizada em Salvador. Até a última terça-feira (2), esteve internada no Hospital Sagrada Família. 

“Eu me questionava muito no início, porque sou jovem, saudável, me alimento bem. De repente, fui acometida por um vírus traiçoeiro. Não é uma matemática exata. Você nunca sabe o que vai sentir de fato. Eu sempre me questionava: por que eu, se eu me cuido tanto?”, contou Joicy, em entrevista ao Correio, na última quinta-feira (5). 

Começou com uma tosse seca – era uma quarta-feira, dia 17 de fevereiro. Com a mudança de tempo, achou que pudesse ser uma alergia. Mas, no dia seguinte, a dor no corpo fez com que ela entendesse que não era só isso. 

Fez o teste PCR para covid-19 no mesmo dia. No sábado (20), dois dias depois, recebeu o resultado positivo. Naquele dia, já se sentia muito mal. Não conseguia conversar por mais de dois minutos e a dor no corpo fazia com que mal conseguisse andar. Sem olfato, sem paladar e com febre, decidiu ir à Unidade Básica de Saúde do Marback, no Imbuí, para ter uma orientação médica. 

Foi examinada e a equipe constatou que o nível de saturação de oxigênio dela era bom. “Voltei para casa e fiquei me cuidando, sentindo esses sintomas. Mas se eu fizesse um café, ficava cansada como se tivesse feito uma hora de exercícios”, explicou. 

No oitavo dia de sintomas, novamente sentiu a moleza no corpo. A febre, de 38,5 graus, não baixava por nada. Com muitas dores e calafrios, voltou à unidade de saúde. Lá, já ficou internada. “Eles passaram alguns exames e disseram que meus pulmões podiam estar comprometidos, mas que era melhor ficar em observação. Só que não tinha vaga. Fiquei numa sala com outra pessoa com covid, numa cadeira, a noite toda”. 

No dia seguinte, um médico que assumiu o turno disse que ela poderia ir para casa. Mais tarde, na mesma quinta-feira, uma prima que trabalha no Hospital Sagrada Família disse que poderia conseguir uma vaga no hospital, se ela passasse pela regulação. Assim, na tarde de quinta-feira, ela foi até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) dos Barris, onde fica o gripário. No Marback, estava tão cheio que não conseguia ser atendida. 

“Quando cheguei no gripário, tinha 120 pessoas na minha frente. Mas, graças a Deus, por volta de 1h da manhã de sexta, consegui ser transferida. Cheguei sentindo falta de ar, mas saturando bem. Foi quando eles descobriram que parte dos meus pulmões estava comprometida”, afirmou. 

Completamente isolada, vieram os dias de cuidado no leito clínico do hospital. Era examinada, recebia medicação e fazia exercícios de fisioterapia para garantir a capacidade respiratória. Sem celular e sem ter muito o que fazer, ela ganhou um caderninho da equipe médica para que pudesse escrever seus pensamentos. Além disso, os profissionais de saúde imprimiram caça-palavras para que ela passasse o tempo.

“Depois daquele primeiro momento de questionamento (de se perguntar por que teria adoecido mesmo com os cuidados), a gente vai se transformando. A gente vai se autocurando, porque se não você surta lá dentro. Ao invés de focar nos problemas, você começa a focar nas pequenas conquistas”, disse. 

O medo veio, em alguns momentos, enquanto estava no hospital. No terceiro dia, chegou a chorar de desespero. Mas, como explica, não era o medo da morte. Segundo ela, era o medo do incerto, do que a covid-19 pode trazer para a vida de alguém. 

Joicy não sabe como pegou covid-19. Tinha voltado a trabalhar presencialmente nos últimos meses – ela é servidora da Sesab -, mas, além disso, só saía de casa para fazer atividade física. 

“Quando a gente é jovem, a gente acha às vezes que pode tudo, mas a gente não pode. Nosso corpo precisa de um tempo. Ele tem um limite e nossa mente é tão acelerada, mas às vezes o corpo não responde. Depois, você começa a ficar alegre pelas pequenas conquistas, como andar sem se cansar”, completa. 

Para ela, a covid-19 mostra que é preciso pensar no coletivo. O individual vem depois. “A gente precisa pensar mais nisso e menos no nosso ego. Nesse momento, tem que esquecer de tudo que antes a gente achava que não podia viver sem. Tem gente que diz que não pode viver sem festa, sem um final de semana na praia. Mas isso é básico. O importante é a saúde de todos”. 

‘É uma roleta russa. Meu irmão se colocou em risco conscientemente’

No começo da pandemia, toda a família da arquiteta Priscila*, 29 anos, andava muito rígida com as medidas de isolamento social. Os pais dela, que trabalhavam na loja da família, deixaram de ir, enquanto os dois irmãos mais velhos seguiam no trabalho presencial no comércio. 

“Eles estavam bem rigorosos, mas acho que, com o passar do tempo, eles foram perdendo. Foi como se dissessem: ‘por que tenho obrigação de sair para trabalhar e não posso sair para um lazer, para algo que vai me fazer bem? Eles sempre questionavam se a vida não ia continuar”, lembra. 

Até que, no meio do ano passado, o irmão mais velho, de 40 anos, ficou internado por covid-19. O segundo irmão, Bento*, de 33 anos, chegou a testar positivo na época, mas ficou assintomático. A surpresa veio em fevereiro deste ano: Bento foi internado na UTI, por complicações da covid-19, que contraiu pela segunda vez. Ele ficou em um hospital privado baiano até a última segunda-feira (1º).

“Ele ainda mantinha o cuidado público, com o outro, mas por exemplo, a gente trabalha em um escritório sem janela, que não renova o ar. E, no Carnaval, ele viajou. Não sei exatamente para onde foi, porque ele meio que esconde de mim também. Quando voltou, encontrei com ele e estava já sentindo um desconforto na garganta”, explica. 

No dia seguinte, uma quinta-feira, os dois teriam uma reunião de trabalho. Mas o encontro não aconteceu. Com febre, Bento ligou para avisar que estava passando mal e que achava que era covid-19. O teste, naquele mesmo dia, confirmou a suspeita. 

Na segunda-feira seguinte, outro sintoma: na tosse, percebeu que havia sangue. Assim, procurou o hospital. Lá, os médicos chegaram a divergir se ele deveria ir direto para a UTI, por não estar com a saturação do oxigênio baixa. A equipe médica achava que o estado emocional dele, abalado pela doença, poderia contribuir negativamente para a recuperação. 

“Ele é diabético, obeso e hipertenso e sempre citava um amigo diabético, obeso e hipertenso que ficou assintomático. Dizia que não acreditava que ele teve tudo isso e o amigo não teve nada. Ele ficou bem mal emocionalmente”, conta Priscila. 

Bento não chegou a ser intubado, mas usou uma máscara não reinalante. “É muito sofrido, muito angustiante. Como ele foi para a UTI, a gente não conseguia falar com ele”, desabafa a arquiteta.

Mesmo assim, ela diz não ter ficado surpresa quando ele adoeceu e teve uma das formas graves. “Honestamente, é uma roleta russa, independente da comorbidade. Não vejo o vírus escolhendo. Claro que fiquei triste e queria o tempo inteiro que ele melhorasse, mas sabia que ele se colocou em risco conscientemente. Entendo que foi um risco que escolheram correr, porque não foi no contato diário. Foi nos momentos de extravasar mesmo”, analisa. 

*Nomes ficíticios 

‘Peguei da minha mãe, que tem 60 anos e está bem. É uma loteria’

Os sintomas do assessor jurídico Edson Luis Ping, 37 anos, começaram na segunda-feira da semana passada. Primeiro, veio a dor de cabeça e a dor de garganta. “Pensei logo em covid-19”, conta ele, que conversou, por escrito, com o Correio. 

No quinto dia dos sintomas, já não conseguia respirar direito. Foi assim que decidiu procurar atendimento médico. “Fui logo internado e eles perguntaram se eu tinha confirmação de covid-19, porque já iam entrar com antibiótico e corticóide”, diz. Desde então, Edson Luis está internado na enfermaria do Hospital da Cidade. 

Ele pegou o vírus da mãe. Aos 60 anos, ela teve a covid-19, mas de forma leve. Não precisou ser hospitalizada e, hoje, já está bem.

“Tive receio, mas não medo. Essa nova cepa veio para varrer quem não pegou ainda. É muito agressiva”, avalia. 

Para Edson, o coronavírus é uma loteria. “Você pode não ter nada, como pode desenvolver algo grave e o pior: passar para algum familiar. Se cuidem porque, se for para ficar internado, não tem vaga. E não é fácil”, alerta ele, que, ainda que tenha tido melhoras na última semana, ainda não tem previsão de alta. 

‘Ela tem 19 anos, saudável e está com 38% dos pulmões comprometidos’

A preocupação da líder indígena Thyara Pataxó, 29 anos, com a prima de 19 anos começou na semana passada. Os sintomas de covid-19 evoluíram rápido: esta semana, na última segunda-feira (1°), uma tomografia indicou o comprometimento de 38% dos pulmões. 

“Ela é uma menina jovem que tem uma filha e vive dentro de casa com um idoso de quase 80 anos, a mãe e o padrasto. A assistente social do polo da Sesai (Secretaria da Saúde Indígena) disse que ela deveria ficar internada, pela situação, mas no hospital mandaram ela voltar para casa e tomar medicamento”, explica. A jovem já foi ao hospital quatro vezes, mas não ficou internada em nenhuma delas. 

Thyara e a prima vivem na aldeia Novos Guerreiros, em Porto Seguro. O município foi um dos que decidiu não acatar o lockdown parcial decretado pelo governo do estado no fim de semana passado. 

“A gente sempre pensa na comorbidade, quando vem de uma pessoa idosa. Mas, por ela ser jovem e estar com esses sintomas, estou muito preocupada e indignada. Aqui, no fim de semana, teve uma quantidade de turistas tão grande que fiquei abismada”, diz. 

A jovem trabalha vendendo brinquedos na praia com a família. Em janeiro, a mãe, o padrasto e o avô dela contraíram a covid-19. Todos só tiveram sintomas leves. “Ela é completamente saudável e faz atividade física na academia. Mas não querem internar porque o médico diz que só com falta de ar grave. Enquanto isso, ela só fala para mim que está com muito medo da situação piorar”, diz. 

Em Porto Seguro, a taxa de ocupação dos leitos de UTI era de 80% na última quinta-feira (4), de acordo com a prefeitura da cidade. A assessoria de comunicação da prefeitura não foi localizada para comentar o caso da jovem de 19 anos. 

por Thais Borges – Correio 24h

google news