Criado pelo Banco Central para desburocratizar as transições bancárias, o Pix completou dois anos nesta semana e se consolidou como o meio de pagamento eletrônico mais usado no país. A adoção da ferramenta gerou um movimento de ruptura no sistema bancário brasileiro, retirando a oligarquia e o controle de grandes instituições financeiras sobre o sistema, ampliando a competitividade do mercado financeiro brasileiro, democratizando o acesso da população a serviços bancários, girando a economia e impulsionando a arrecadação de recursos. De acordo com o Banco Central, as transações com Pix ultrapassam a marca de R$ 2 bilhões mensais, sendo utilizado por mais de 130 milhões de pessoas e 11 milhões de empresas. Até outubro deste ano, o serviço movimentou aproximadamente R$ 14 trilhões e realiza mais de 100 transações anuais por habitantes, marca superior a de outros países com ferramentas similares. “O Banco Central do Brasil, na figura do Roberto Campos Neto, tem feito esforços no sentido de modernizar o sistema financeiro e bancário nacional. A iniciativa mais notável dos últimos anos foi a implementação do Pix. A principal inovação do Pix foi a simplificação do processo de autenticação das transações. Ao criar uma chave, o usuário acaba com a necessidade de registrar a solicitação no banco de origem. Dessa forma, a transação é validada diretamente no Banco Central, tornando o processo mais ágil. Isso torna viável transações em situações e horários em que os modelos conhecidos de transferências são limitados. A ideia central dessas iniciativas do Banco Central do Brasil é desconcentrar e democratizar o acesso ao sistema bancário. O próprio órgão mostra que essa iniciativa tem o potencial de aumentar a competitividade e eficiência do mercado, baixar custo, aumentar a segurança das transferências, incentivar a digitalização da economia e promover inclusão financeira para a camada popular historicamente excluída do sistema bancário”, indica o economista e assessor de investimentos Mikael Neres.
Sócio da área de contratos, inovação e legal design do Peck Advogados, Antônio Alves de Oliveira analisa que o Pix realmente foi um sistema inovador para o Brasil e brinca que a expressão “Aceita Pix?” entrou para o vocabulário brasileiro. “A inovação não é só internamente no Brasil, com as operações mais ágeis, mas também a nível internacional. O Banco de Compensações Internacionais está desenvolvendo o projeto Nexus para ter um Pix internacional. Somos referência nesse sentido, o que demonstra o sucesso da nossa tecnologia. E os números só corroboram esse sucesso. Realmente, é uma ruptura porque é algo jovem, que cresceu de forma orgânica e tem escalado grandiosamente. Isso também tem repercussões econômicas positivas. O mercado financeiro acaba sendo um laço de confiança para outros tipos de operações. Quando falamos de investimento ou iniciativa, o sistema financeiro do país é um fator relevante, e essa credibilidade no internacional vai dar confiança em investidores externos, com atos e fatos que demostram que temos inovação na nossa veia. Ainda teremos outros avanços nas funcionalidades do Pix como o débito automático e o Pix Garantido, o que poderia substituir ou ser uma alternativa ao cartão de crédito. Isso aumenta muito o potencial do consumidor. Só tem crédito positivo no mercado quem toma crédito. Se você não participa, fica tolhido de produtos financeiros. É um paradoxo. Mas quando há algo como o Pix, fácil e ágil, isso ajuda as pessoas a adentrar o ecossistema financeiro e movimentar a economia”, ressalta.
Professor do Insper e especialista em direito bancário, Marcelo Godke também acredita que o Pix se provou como um “enorme avanço” e que a ferramenta faz parte de um movimento de vanguarda econômico pela qual o país está passando. “Os sistemas de transferência instantânea, por via de regra, são criados por agentes econômicos privados, ou seja, bancos. O Banco Central pediu por muito tempo para que os bancos desenvolvessem essa ferramenta, mas as instituições não queriam porque iam perder arrecadação em taxas de operação. Então, ele resolveu fazer por conta própria e utilizou a experiência de outros países para ver o que funcionava melhor. Isso foi um grande diferencial. O Pix vem substituindo as operações de débito, principalmente para pequenos comerciantes, que não precisam pagar o percentual administrativo das máquinas de cartões. O plano do Banco Central é aumentar o acesso da população a serviços bancários, gerar concorrência e baixar os custos. Isso gera essa facilidade. Vemos uma aderência muito grande da população mais jovem. A perspectiva é que seja cada vez mais usado, útil e seguro, além de possibilidade de baratear o crédito brasileiro. Em breve, teremos novas funcionalidades que podem colocar em cheque o cartão de crédito e gerar uma integração internacional. Em breve, poderemos fazer remessa de câmbio via Pix. As adaptações necessárias são de caráter regulamentário e tecnológico para ligar os vários sistemas. O que surge com isso é a possibilidade de fraude, o que demanda uma cooperação maior entre autoridades para localizar esses fraudadores”, indica.
Mas não são só esses os benefícios. Para Max Mustrangi, sócio fundador da Excellance, butique especializada na recuperação da performance financeira, umas das principais revoluções do Pix foi aumentar a competitividade do setor bancário, que antes tinha sua maioria controlada por cinco grandes instituições do setor. “Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú e Santander controlavam cerca de 80% o setor, 85% em 2018. Isso faz com que o país não tenha competição, nem concorrência. Nesse cenário, o consumidor perde e quem ganha é o banco. O Pix entra como um produto substituto para romper essa estrutura. Isso quebra esse favorecimento da oligarquia dos bancos e amplia a competitividade do mercado financeiro do Brasil, além de ajudar a população a ter mais acesso a esses serviços. Não só as pessoas se beneficiam disso, mas também empresas em suas operações comerciais. O impacto tem sido extremamente positivo para gerar essa ruptura no sistema e complementa os esforços do Banco Central para inserir o Brasil no open finance. Ainda temos muito que evoluir em algumas questões, como a implementação de funções de uso offline do Pix e o pagamento por recorrência, mas tivemos bons resultados na digitalização no Brasil. As fintechs também têm contribuído bastante com a inovação em pagamentos. Acredito que o principal ganho realmente está no crescimento da competitividade que isso trouxe para o país e repercute positivamente para a população”, aponta.
Cuidados com fraudes e golpes
Apesar do sucesso entre especialistas e agentes do mercado financeiro, o Pix também gerou preocupações com segurança para os consumidores. Segundo dados da companhia de cibersegurança PSafe, entre janeiro e junho deste ano foram realizadas 844.821 tentativas de golpes. O número é 1.191% maior do que o registrado no mesmo período de 2021, quando houve 65.433 tentativas. Segundo o Banco Central, a segurança do Pix está pautada em quatro dimensões: autenticação do usuário; rastreabilidade das transações; tráfego seguro de informações; e regras de funcionamento que garantem mecanismos de proteção de responsabilização de instituições financeiros para evitar fraudes. Segundo o regulamento, instituições financeiras que ofertam o serviço a seus clientes devem se responsabilizar por fraudes decorrentes de falhas nos seus mecanismos de gerenciamento de riscos. Além disso, dois dispositivos aumentam a chance de o cliente ser ressarcido: o bloqueio cautelar e o mecanismo especial de devolução. Para o advogado Antônio Alves de Oliveira, por mais que existam ferramentas de combates a fraudes e delitos, toda inovação apresenta oportunidades para que pessoas tentem cometer golpes. “O Pix em si não é uma falha originária do sistema, não é o motivo da fraude. Ela começa antes, em uma abordagem via WhatsApp, por exemplo. É mais uma ferramenta que pode ser utilizada por golpistas, não necessariamente a razão. Caso seja identificada uma fraude, é importante comunicar imediatamente a instituição financeira. Também precisamos trabalhar em cuidados preventivos, educar e conscientizar”, afirma. Marcelo Godke complementa dizendo que as perspectivas em um futuro próximo são de melhoria na segurança das operações. “As instituições ainda têm dificuldade em identificar as falhas de segurança. A expectativa é que melhore a segurança e diminuía as fraudes com a expansão do produto”, avalia.
Como em todos os meios de pagamento, o Pix demanda alguns cuidados com as transações a fim de evitar que os usuários se tornem vítimas de golpes e de fraudes. De acordo com Mikael Neres, por ser uma inovação tecnológica nativamente digital, as principais medidas de segurança estão concentradas em volta da vida digital dos cidadãos. “Alguns golpes ganharam notoriedade desde o seu surgimento. Embora o sistema seja seguro e confiável, falhas humanas abrem brechas para que os golpes aconteçam. Um golpe que começou a ganhar força nos últimos meses é o do falso funcionário. Basicamente o criminoso entra em contato com o usuário se passando pela instituição financeira com o pretexto de atualização de cadastro de informações para Pix. Em seguida, após conseguir essas informações, é feito um ‘teste’. A vítima, então, faz uma transferência para o seu próprio Pix. Na verdade, se tudo ocorrer de acordo com o planejado pelo criminoso, a transferência é real, e o favorecido é o criminoso. Uma recomendação para evitar esse tipo de situação é nunca fornecer informações bancárias para qualquer pessoa que se identifiquem como agente bancário. Um outro golpe que vale a pena a menção é o do falso comprovante. O golpista, ao fazer alguma compra ou pagamento, informa que o Pix foi realizado, mas, na verdade, o pagamento foi agendado para alguns dias à frente. Se o golpe for bem-sucedido, o golpista logo em seguida cancela o agendamento e foge com a mercadoria ou recebe o serviço”, esclarece. Ele complementa que, caso o usuário venha a sofrer um golpe financeiro com o uso do Pix, deve comunicar imediatamente o seu banco de relacionamento para que as medidas cabíveis sejam tomadas, além de registrar um boletim de ocorrência para que forças policiais consigam mapear e desmontar possíveis quadrilhas especializadas nesse tipo de ação. (JP)