Maçã, banana e abacaxi armazenados em até quatro meses e com todos os nutrientes para o consumo pode parecer impossível, mas são características de uma técnica que existe há séculos e continua sendo usada por fruticultores e atraindo consumidores: a desidratação.
O processo consiste em eliminar a água do alimento para prolongar a vida “de prateleira” do produto. Com isso, as frutas desidratadas permitem que o produtor evite o desperdício decorrente tanto de um mau transporte quanto do excedente da colheita, e ainda possa vendê-las por um preço superior ao da fruta in natura.
Mas como surgiu a desidratação? A engenheira de alimentos e professora da Universidade de São Paulo (USP), Carmen Tadini, explica que a técnica começou ainda no início da civilização.
“Difícil de responder uma data precisa, mas já no início da civilização foi percebido que se deixasse uma carne ao sol, sua durabilidade aumentava. Foi simplesmente uma observação. A retirada da água reduz a atividade dos micro-organismos que, como nós e algumas enzimas, necessitam de água para se desenvolver”.
“Assim, se o conteúdo de água disponível é reduzido, o desenvolvimento de micro-organismos também é reduzido, aumentando a vida do alimento. No caso de frutas, é possível desidratar por ação do calor ou também pela adição de substâncias”, diz.
Banana desidratada — Foto: Kadijah Suleiman/Embrapa
Processo
Carmen explica que a ação do calor que proporciona a desidratação pode ocorrer expondo a fruta a uma corrente de ar quente e a temperaturas entre 50ºC e 60ºC.
“O melhor exemplo é a uva-passa. Nesse caso, ocorrem mudanças profundas, como o escurecimento e alteração de textura, que são muito bem aceitas pelo consumidor. Esse método deve ser muito bem controlado e a razão porque não dá para fazer em casa é porque o forno doméstico não permite a circulação de ar, em condições controladas”, explica.
“Como as frutas são alimentos que apresentam sensibilidade ao calor, a desidratação ocorre em temperaturas bem abaixo das temperaturas do forno doméstico”, enfatiza.
Outro método que pode ser feito com temperatura ambiente, conforme a professora, é a desidratação osmótica. A fruta elimina a água mediante a adição de uma substância, chamada de soluto.
“Essa substância geralmente é um açúcar por melhorar também o sabor. São aquelas frutas secas açucaradas que encontramos no mercado. Um outro exemplo que não é uma fruta, mas para explicar esse processo, é a salga de peixe, como o bacalhau. Ele seca exsudando [transpirando] água quando adicionado sal. Ocorre um efeito que chamamos de diferença de pressão de osmótica, daí o nome de desidratação osmótica. Enquanto o sal penetra no peixe, a água é eliminada”, explica.
E o valor nutricional?
Uva-passa — Foto: Andreas Haslinger/Unplash
Apesar da retirada da água, o valor nutricional de uma fruta desidratada continua o mesmo, de acordo com a médica nutróloga Valéria Goulart.
“Ela perde a quantidade de água, mas não perde o seu valor nutricional e torna uma opção ótima de lanche, já que reduz seu tamanho. Facilita o transporte. Uma maçã fora da geladeira, que poderia estragar ao longo do dia, já não estraga. Então, é uma opção boa na alimentação de quem quer consumir vitaminas”, diz.
Contudo, é importante ter cuidado no consumo exagerado.
“A única observação é que, com a retirada da água, há concentração de frutose, açúcar da fruta, o que aumenta sua caloria. Por isso, se uma pessoa tem intestino preso, por exemplo, duas ameixas secas são suficientes. É importante lembrar que o tamanho reduz, mas a caloria aumenta”, explica.
Desidratador de baixo custo
Desidratador de baixo custo desenvolvido por pesquisador da Embrapa — Foto: Félix Cornejo/Embrapa
Como uma forma de ajudar pequenos produtores agrícolas a conservarem alimentos, o engenheiro Félix Cornejo, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos do Rio de Janeiro, desenvolveu o chamado “desidratador de baixo custo”.
O estudo “Construa você mesmo um desidratador de alimentos” foi publicado em agosto de 2018 e mostra passo a passo para a construção do desidratador.
“Ele tem como objetivo suprir uma demanda de tecnologias para atender à pequena produção que tem poucos recursos financeiros. Muita gente acredita que é possível desidratar em casa. Mas no forno você vai acabar assando a fruta e não retirando a água”, diz.
“É um processo um pouco mais delicado, com temperatura certa, tamanho certo e com corrente de ar adequada. Sem contar que é preciso ter consciência que terá um gasto de energia elétrica, o que encarece o produto”, afirma.
Alimentos em desidratador de baixo custo — Foto: Kadijah Suleiman/Embrapa
Assim, Cornejo pesquisou uma forma de usar peças simples e facilmente encontradas no comércio para a montagem do desidratador mais barato.
“O sistema de secagem é montado dentro de uma caixa de isopor, onde é instalado o sistema de aquecimento com ventilação e uma estrutura de tubos de PVC com bandejas. O aquecimento e a circulação do ar de secagem são realizados por um aquecedor de ambiente, aquele que usamos no inverno mesmo, composto por resistências elétricas e ventilação”.
Caixa de isopor com sistema de aquecimento — Foto: Félix Cornejo/Embrapa
A desidratação deve ser feita separadamente para cada tipo de matéria-prima, que inclui frutas, ervas aromáticas, plantas medicinais, condimentos, legumes e tubérculos. Por isso, as frutas colocadas devem ter um tamanho uniforme, afirma Cornejo.
“Importante ressaltar que as frutas escolhidas não podem ser aquelas que têm muita porcentagem de água, como a melancia. Não se recomenda desidratar uma melancia, por exemplo. Mas você pode fazer o processo com a maçã, banana, abacaxi, folhosos” (G1)