Criado em comunidade, filho de doméstica foi aprovado em medicina aos 34 anos: ‘Era algo distante da minha realidade’

Vinícius Oliveira, atualmente com 38 anos, está no sexto semestre do curso e foi aprovado com a nota do Enem

Vinícius Oliveira foi aprovado em medicina aos 34 anos com sua nota do Enem Foto: Arquivo Pessoal

“Eu nunca tive o sonho de fazer Medicina. Por que eu nunca tive esse sonho? Porque a medicina é muito distante da minha realidade, não tinha nem como pensar nisso lá atrás, era totalmente fora da minha possibilidade de vida”. Esse era o panorama do policial rodoviário federal Vinícius Oliveira, nascido em uma comunidade do Rio de Janeiro.

Mas, aos 34 anos, o que parecia irreal ganhou vida. Com a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ele foi aprovado em uma universidade federal e, atualmente, com 38 anos, está no sexto semestre da graduação e a um passo de se tornar médico. Vinícius, que já tinha conquistado o título de o primeiro da família Oliveira a ter um diploma de Ensino Superior, está bem próximo de trazer mais um feito inédito para a casa. 

Esse é o terceiro episódio da série de reportagens Onde o Enem me levou?, que conta a história de vários brasileiros que,  a partir do exame, conquistaram marcas profissionais, pessoais e financeiras transformadoras. Ao todo são cinco episódios que serão publicados no Terra ao longo das próximas duas semanas. Acompanhe e se inspire nesses relatos.  

O policial é preto e cresceu na comunidade de Padre Miguel, na Zona Oeste da capital fluminense, onde a criminalidade e as dificuldades da vida eram uma parte cotidiana. “O crime ali era totalmente mesclado no meio da nossa realidade. Você via tiroteio, tráfico de drogas, toda a problemática de morar em uma comunidade”. 

Crescer em um ambiente tão adverso não foi fácil, mas ele conta ter tido a sorte de contar com figuras importantes em sua vida. Sua mãe, uma mulher forte e trabalhadora, sempre se esforçou para sustentar ele e seu irmão. Apesar da ausência do pai, o policial também contou com o apoio da avó e outros membros da família. 

“Mas, quando falo em carreira, sobre um exemplo do que eu gostaria de fazer, eu nunca tive. Na minha infância e adolescência, entre 1990 e  2000, não tinha internet. Então, eu não tinha ninguém, nem que eu visse, porque ali na comunidade, a maioria da população é gente trabalhadora, que luta, mas não tem, por exemplo, um médico, não tem um policial rodoviário federal, não existe isso na nossa realidade”.

Criado por ‘mãe solo’
A mãe de Vinícius começou a trabalhar aos 7 anos de idade como ajudante em casas de família, onde desempenhava tarefas de faxina e auxiliava nas atividades domésticas das pessoas que a empregavam. Teve Vinícius com 19 anos e seu irmão com 21, enquanto estava casada com o pai deles, mas acabou criando os filhos sozinha.

“Eu me lembro do meu pai presente até uns 6 ou 7 anos de idade. Logo depois ele foi seguir o caminho dele, as coisas dele e nunca mais participou ativamente das nossas vidas. Nem da nossa criação, nem da parte educacional e muito menos da parte financeira”, contou o estudante de Medicina. 

Em meio às dificuldades financeiras e à ausência do pai dos filhos, a mãe de Vinícius continuou trabalhando para sustentar a família, desempenhando funções principalmente em serviços gerais e na área de limpeza. Além disso, também trabalhou como cuidadora de idosos e inspetora de colégio. 

Atualmente, aos 57 anos, ela concluiu sua formação no ensino superior, com um diploma em gestão de turismo. Segundo Vinícius, dentro das possibilidades e responsabilidades de criar dois filhos, ela retomou sua educação. Terminou a 8ª série aos 42 anos e o ensino médio aos 46 anos. Com determinação, ela conquistou seu diploma de ensino superior, mesmo depois de criar ele e o irmão. 

“Também é um ponto de exemplo para nós [filhos], porque mesmo depois de mais velha, já com os filhos criados, ela foi lá correr atrás da educação dela e hoje ela tem o ensino superior completo”, disse o policial, orgulhoso da mãe.

A paixão pelos estudos

Desde jovem, Vinícius demonstrou interesse em estudar, especialmente matemática, e desenvolveu uma paixão por conhecimento. No entanto, suas ambições de buscar educação superior e se destacar na vida eram desafiadas pela realidade que vivia. 

Ele tentou entrar no Colégio Naval, mas problemas de saúde, como hiperlordose (curvatura excessiva da coluna vertebral), o impediram de ser aprovado. Mas, aos 18 anos, conseguiu ingressar no Exército, onde deu um grande salto em sua vida ao se tornar sargento.

por Isabella Lima / Terra

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