Trinta dias após a descoberta da gravidez da menina que foi estuprada pela segunda vez no Piauí, ainda não há uma decisão judicial sobre o aborto legal ao qual a vítima tem direito garantido por lei.
A menina, que no último dia 18 deste mês completou 12 anos, está grávida de 13 semanas. Há risco de saúde de gestação nessa idade, segundo o ginecologista Thomaz Gollop, do Grupo de Estudo sobre o Aborto e fundador da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal. Há um ano, também depois de ser vítima de um estupro, ela deu à luz.
A menina foi estuprada pela primeira vez aos dez anos em um matagal e engravidou. Na época, a mãe dela disse que não autorizou o aborto porque o médico que atendeu a filha disse a ela que a menina e o bebê correriam risco de vida se fosse interrompida a gestação.
A nova gravidez, também fruto de estupro, foi descoberta no dia 9 de setembro. Alguns dias antes, após desentendimento na família, a garota havia sido levada para um abrigo com o bebê.
Nesta semana, a juíza da 1ª Vara da Infância e da Juventude de Teresina, Maria Luiza de Moura Mello, pediu afastamento do caso. A juíza disse à reportagem que estava com “enorme demanda” da Justiça Eleitoral e não tinha condições de atender as urgências que o caso da menina requer.
A juíza da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Teresina, Elfrida Costa Belleza, assumiu o caso. Procurada, a magistrada disse que não podia falar porque o processo corre em segredo de Justiça.
A mãe da menina, de início, não autorizou o aborto. Dias depois, porém, ela afirmou à reportagem que, se receber uma posição de uma junta médica garantindo que o aborto é seguro, ela daria aval à interrupção da gravidez.
O pai defende o aborto, segundo o Conselho Tutelar e o Ministério Público Estadual.
Procurados novamente pela reportagem, os pais não quiseram se manifestar.
Pela legislação, a interrupção da gravidez ocorre apenas em casos em que a gravidez é decorrente de estupro, quando há risco à vida da gestante ou há diagnóstico de anencefalia do feto.
A Maternidade Dona Evangelina Rosa declarou que uma junta médica foi criada para analisar se é seguro o aborto na menina.
Sem ter conhecimento do relatório da maternidade, o Ministério Público solicitou na última quarta (5) que uma junta médica analise novamente a menina.
A promotora Francisca Vieira Lourenço pediu que fosse ouvido o pai, a mãe e a avó da menina e que o aborto legal aconteça após a junta médica constatar que não há risco.
O médico Pedro Carneiro, que preside a Comissão de Ética da Maternidade Dona Evangelina Rosa, disse que não recebeu relatório da junta médica sobre o caso.
O obstetra da maternidade, Arimateia Santos Júnior, chefe da UTI, afirmou que a maternidade segue o protocolo do Ministério da Saúde. Segundo ele, a interrupção da gravidez só pode acontecer até a 22ª semana.
“O protocolo determina que o procedimento deve ser feito entre 20 e 22 semanas com feto de até 500 gramas. Se ultrapassar esse período, há um grande risco para a mãe. Como houve discordância dos pais, a interrupção não foi feita.”
Para Thomaz Gollop, do Grupo de Estudo sobre o Aborto, o corpo de uma menina com menos de 14 anos não tem nenhum preparo para uma gravidez.
“Há risco tanto para o feto como para a menina. Existem várias complicações possíveis, até a possibilidade de uma menina de 12 anos não ter condição de ter um bebê de três quilos ou menos”, afirmou.
Ainda segundo Gollop, o organismo da mulher não está preparado para uma gravidez nessa idade e tem risco em função de não ser uma idade adequada.
Entre outros riscos da gravidez nessa idade, diz, estão chances de pré-eclâmpsia e de uma anemia grave.
“O que acontece no Brasil é que a gente está num ambiente completamente errado na medida que não há proteção nenhuma para essas meninas. Dificulta-se cada vez mais os acessos das meninas e das mulheres grávidas, vítimas de violência, a uma assistência médica adequada.”
O presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB, Rogério Almeida, disse que a entidade não está tendo acesso aos autos porque o processo corre em segredo de Justiça.
A indefinição que já completa um mês gera um dano psíquico enorme para a menina, segundo Daniela Pedroso, psicóloga especialista em violência sexual e abortamento previsto em lei –ela atua há 25 anos na área.
“Por não ter uma resposta para ela do que está acontecendo pode trazer possíveis transtornos como episódios depressivos, transtornos alimentares, dificuldade na escola e de relacionamento”, disse.
Meninas nessas situações, segundo a psicóloga, podem apresentar terror noturno, pesadelos e reproduzir essa situação com brincadeiras. “Podem ter comportamentos regressivos como voltar a fazer xixi na cama, a querer usar a chupeta, tipo de comportamento que não é mais esperado para a idade dela.” (BN)