Entenda porque os EUA retomaram a pena de morte em nível federal

Guardas escoltam prisioneiro do 'corredor da morte' no Texas Foto: Gregory Smith / Corbis via Getty Images

Há pouco mais de uma década e meia, em março de 2003, o governo federal norte-americano executou Louis Jones Jr., um ex-militar veterano da Guerra do Golfo. Em 1995, ele sequestrou, estuprou e assassinou friamente uma jovem mulher recruta do exército estadunidense no Texas. Jones, que foi sentenciado à pena capital por injeção letal, tornou-se então a última pessoa executada pelo governo federal dos EUA.

Uma combinação de apelos bem-sucedidos à justiça federal, a restrição do acesso a drogas injetáveis letais e um lobby eficaz de certos atores políticos durante as últimas administrações impediram durante 16 anos qualquer nova execução autorizada pelo governo. No entanto, em um anúncio inesperado nesta quinta-feira, o Procurador-Geral dos Estados Unidos, Bill Barr, ordenou que o Departamento de Justiça e o Escritório de Prisões — a agência que supervisiona as prisões e o ‘corredor da morte’ a nível federal — retomassem a prática.

“O Congresso autorizou expressamente a pena de morte por meio de legislação aprovada pelos representantes do povo em ambas as casas do Congresso e assinada pelo presidente”, disse Barr em sua declaração oficial. “O Departamento de Justiça defende o Estado de Direito — e devemos às vítimas e às suas famílias a execução da sentença imposta pelo nosso sistema de Justiça.”

De acordo com o Departamento de Justiça norte-americano, cinco execuções foram agendadas para dezembro de 2019 e início de 2020. Entre os anos 1960 e 2019, o governo federal realizou um total de quatro execuções—um em 1964, e três entre 2001 e 2003.

Daniel Lewis Lee, de 46 anos, membro de um grupo de supremacistas brancos que assassinou uma família de três pessoas, incluindo uma criança de oito anos, será o primeiro a ser executado em 9 de dezembro. De acordo com relatórios policiais, Lee juntou-se em Janeiro de 1996 com uma faxineira dessa família em Tilly, Arkansas. Ambos os assassinaram brutalmente e jogaram seus corpos no rio Illinois Bayou. A polícia disse que um pescador encontrou os corpos quase cinco meses depois.

A segunda execução será a de Lezmond Mitchell, que receberá uma injeção letal em 11 de Dezembro pelo assassinato de uma mulher idosa e da sua neta. O Departamento de Justiça dos EUA disse que Mitchell esfaqueou a avó até a morte e logo esfaqueou à criança após forçá-la a sentar-se a poucos centímetros do corpo da mulher enquanto dirigia.

A morte de outro criminoso, Wesley Ira Purkey, está marcada para o dia 13 de dezembro. De acordo com autoridades, este homem sequestrou uma adolescente de 16 anos no Kansas, assassinou-a, desmembrou-a e queimou seu corpo. Um mês depois, em janeiro de 2020, a Justiça executará Alfred Bourgeois, acusado de abusar e depois assassinar sua filha de dois anos e meio em 2002. E por último, a pena capital será executada nos primeiros dias do próximo ano a Lee Honken, que assassinou cinco pessoas em 1993 com a ajuda de sua cônjuge.

O final das cinco execuções está marcado para 15 de janeiro. Todas as execuções ocorrerão nas instalações de Terre Haute, e o Departamento de Justiça diz que mais execuções serão agendadas “em uma data posterior”. No ano passado houve 25 execuções nos Estados Unidos, todas elas levadas a cabo por autoridades estaduais para pessoas condenadas por acusações estaduais, e não federais.

Como parte do acréscimo às novas regulações, Barr também instruiu ao governo federal mudar o coquetel de três drogas usadas nas execuções federais para uma única droga: o fenobarbital — um barbitúrico que, em altas doses, causa uma parada respiratória. O uso da droga é defendido pela Suprema Corte dos Estados Unidos e ela foi utilizada nas execuções de 200 detentos em 14 estados desde 2010.

O lapso nas execuções federais nas prisões norte-americanas desde 2003 tem sido causa direta da dificuldade crescente na obtenção de drogas injetáveis letais e a incerteza sobre a constitucionalidade das novas combinações de drogas. O Departamento de Justiça do presidente Barack Obama também ordenou uma revisão das condições da pena federal de morte após um desastroso fracasso em Oklahoma em 2014.

Essa combinação de drogas foi usada na maioria das execuções nos Estados Unidos, até que uma série de eventos em 2009 e 2010 a tornaram cada vez mais rara. Os fornecedores farmacêuticos nacionais e internacionais deixaram de fornecer tiopental de sódio, o anestésico usado como primeira mistura no coquetel de três drogas. Uma injunção judicial de 2012 também forçou à U.S.Food and Drug Administration (FDA) — uma agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos — a bloquear a importação da droga desde o estrangeiro. Na época, investigações revelaram que a mesma estava sendo preparada para a sua utilização por fins não aprovados.

A escassez de tiopental de sódio forçou alguns estados a abandonar o coquetel de três drogas em favor de outras. Alguns interromperam temporariamente as execuções. Outros substituíram a tiopental como primeira droga no coquetel por outro sedativo controverso, o midazolam, que também passou por intenso escrutínio e desafios legais por causa das execuções fracassadas em Ohio, Arizona e Oklahoma.

Desta vez, o governo norte-americano planeja usar pentobarbital em vez do protocolo de três drogas, um químico usado frequentemente na medicina veterinária e na eutanásia. Segundo o Departamento de Justiça, desde o ano 2010, 14 estados já usaram pentobarbital em mais de 200 execuções. Mas a forma como os estados obtêm a droga tem sido criticada repetidamente por ativistas e envolta em um inquietante sigilo. Texas,Missouri e Geórgia voltaram-se para farmácias não regulamentadas pela FDA e juridicamente protegidas da identificação pública—isto devido à decisão de fabricantes licenciados de parar totalmente de fornecer pentobarbital para essas execuções.

Segundo a administração Trump, o novo protocolo federal irá “espelhar” um protocolo atualmente em uso nos estados de Texas, Missouri e Geórgia. O presidente Donald Trump tem sido um entusiasta defensor da pena de morte, chegando ao ponto de defender a pena de morte em casos individuais. Ele também disse durante a campanha de 2016 que emitiria uma ordem executiva exigindo a sentença de morte para qualquer pessoa considerada culpada de matar um policial — coisa que nunca tentou fazer nos últimos anos, e que o líder do executivo também não teria legalmente a autoridade para fazer. De acordo com uma pesquisa realizada pelo instituto Gallup em outubro de 2018, o 56% dos americanos ainda são a favor da pena de morte por assassinato, embora o apoio tenha diminuído desde a década de 1990.

Certamente a decisão surpresa da administração de retomar a pena capital em nível federal colocará esse assunto de volta no centro do debate nacional, e no meio de uma dura campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos em 2020, esse será um tema central que diferenciará aos candidatos democratas do atual presidente, que tentará se reeleger com a mesma fórmula da plataforma conservadora. (Época)




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