Lei Maria da Penha: 15 anos depois, uma mulher ainda é morta a cada 4 horas na BA

Maria da Penha Maia Fernandes foi alvo de duas tentativas de morte pelo ex-marido, em 1983. Além do trauma, o agressor deixou uma marca física que irá acompanhá-la durante a vida que não conseguiu tirar: o tiro nas costas dado no primeiro ataque, que a deixou paraplégica. Neste sábado (7), faz 15 anos que a luta dela por justiça se tornou proteção para os casos de violência contra a mulher com a Lei Maria da Penha (11.340).

De lá pra cá, a lei passou por atualizações e hoje incrimina as violências física, sexual, moral, patrimonial e psicológica contra a mulher. Mesmo assim, de acordo com levantamento Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), a cada quatro horas uma mulher é morta no estado por questões de gênero.

A atualização mais recente da Lei foi a criminalização da violência psicológica, sancionada no último dia 28 de julho. Com isso, passou a ser crime causar dano emocional à mulher por ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou outros meios de violação à saúde psicológica.

A professora e doutora em Direito Público (UFBA) Daniela Portugal, também advogada feminista e presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA), explica que nem todas as formas desse abuso estão tipificadas no Código Penal. “Não há uma definição bem delimitada e taxativa do comportamento criminalizado, o que pode gerar problemas futuros na aplicação do delito, mas vamos aguardar para observar de que forma os nossos tribunais irão restringir o alcance na norma jurídica”.

Para Daniela, a criminalização não é suficiente para que o crime deixe de acontecer e sim, ações que modifiquem a cultura de violência. “A violência de gênero precisa ser debatida em escolas; a rede de atendimento e acolhimento às mulheres em situação de violência precisa ser ampliada; precisamos buscar mecanismos eficientes de proteção às mulheres, não basta só criminalizar”.

Ao Bahia Notícias, a desembargadora Nágila Brito, que está há nove anos à frente da Coordenadoria de Enfrentamento a Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), revela que o núcleo não trabalha com levantamentos comparativos de dados entre antes e depois da Lei porque não haveriam resultados exatos.

“A violência antes da Maria da Penha era praticamente invisível. A violência intrafamiliar acontecia nos lares. Se você perguntar aleatoriamente, alguém vai dizer que sabia que a avó, tia… apanhava. Mas isso não vinha para o judiciário, era tido como aceitável, invisível. Então, não temos números comparativos confiáveis”, detalha.

Ela ressalta, ainda, que a Lei proporcionou uma resposta quase imediata aos casos de violência contra a mulher com a medida protetiva de urgência, que deve ser analisada pelo juiz no prazo máximo de 48 horas. Nesse caso, é determinado que o acusado seja afastado do lar; não mantenha contato com a vítima, familiares ou testemunhas; não frequente os mesmos ambientes que a vítima; entre outras determinações. Também é suspensa a posse ou restrito o porte de armas. O descumprimento da medida pode gerar de três meses a dois anos de prisão.

MEDIDAS PROTETIVAS

De janeiro a julho de 2021, o TJ-BA já distribuiu 8.640 medidas protetivas em todo o estado. Em Salvador, foram 1.592. Nágila conta que a medida pode ser dada apenas com os indícios da violência, mesmo antes do Ministério Público ou a outra parte serem ouvidos.

Já Daniela Portugal explica que a Lei Maria da Penha não é uma lei penal. “Se percorrermos o texto da lei, vamos perceber que é previsto somente um tipo incriminador, no art 24-A, que é o crime de ‘descumprimento de medida protetiva de urgência’, incluído em 2018, sequer constava na redação original. De fato, a Lei Maria da Penha também foi responsável por alterações no Código Penal, por exemplo, modificando as agravantes de pena do art. 61 ou introduzindo a lesão doméstica como uma forma qualificada de lesão corporal”. Ela aponta como um grande avanço da lei o fato de ter uma atuação mais preventiva e protetiva do que punitiva.

O levantamento divulgado pela SSP-BA em março desse ano, em conjunto com a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), também aponta 364 vítimas de feminicídios de 2017 a 2020. Isso representa uma média anual de 13,2%. Em 2017, uma a cada 100 mil baianas era assassinada. Já no ano passado, a taxa passou para 1,5 dentro da mesma quantidade.

Em contrapartida, nos sete primeiros meses de 2021, o TJ-BA emitiu 106 sentenças penais condenatórias em Salvador e 322 em toda a Bahia (fora o total da capital).

PANDEMIA

Nágila aponta que entre março e agosto de 2020 as denúncias de violência contra a mulher aumentaram 22%, o maior índice desde o início da pandemia da Covid-19. “O desemprego fez com que as vítimas passassem mais tempo em casa com os agressores”. Como alternativa, ela conta que o Tribunal lançou ferramentas como denúncias por site e aplicativo, somadas às já existentes, como o Disque 100, para denúncia de violação de direitos humanos.

Nos casos em que a mulher está em isolamento ou distanciamento social com o próprio agressor, ela orienta a juntar evidências. Arquivos como prints de conversas, fotos ou gravações de áudio e vídeo são válidos. Mas ela reconhece que a dificuldade de acesso ao meio digital gerou mais uma barreira que relaciona, por exemplo, à redução dos pedidos de medida protetiva nesse período. Nesses casos, lembra que testemunhas também são aceitas como provas. (BN)

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