O PSDB virou um “nanico moral”, não apenas um partido com bancadas irrisórias perto do que já teve no passado. A avaliação é da mais recente perda do tucanato, a senadora Mara Gabrilli (SP), que trocou a sigla pelo PSD de Gilberto Kassab após 19 anos de militância.
“Nunca nem pensei em me filiar a outro, sempre fui do PSDB. Todas as minhas inspirações não estão mais próximas do cotidiano do partido”, disse à Folha neste domingo (29). Os tucanos têm agora 3 senadores e 13 deputados federais.
Gabrilli, 55, integra agora a maior bancada no Senado, que com a adição dela e de Eliziane Gama (Cidadania-MA) chega a 15 nomes e ultrapassa o PL, que tem 13 senadores. Quem agradece é a campanha de reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que enfrenta Rogério Marinho (PL-RN) na próxima quarta (1º).
A senadora sugere sentimentos contraditórios sobre sua decisão, antecipada pela Folha. “Continuo me sentindo tucana”, afirmou.
Antes de fechar com Kassab, ela pediu a bênção ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao senador Tasso Jereissati (CE, que deixa o cargo agora), à ex-governadora Yeda Crusius (RS) e também futuro ex-senador José Serra (SP), com quem começou na vida pública quando ele era prefeito de São Paulo.
No sábado (28), ela esteve com Serra e Kassab, de quem também foi secretária para pessoas com deficiência na prefeitura paulistana —ela é tetraplégica desde um acidente em 1994. “Simbolicamente, foi importante. Sempre fui próxima do Kassab”, disse. O presidente do PSD era vice do tucano, que deixou o cargo para eleger-se governador em 2006, e reelegeu-se prefeito em 2008.
Gabrilli diz “levar muito amor e gratidão” pelo trabalho no PSDB, mas não poupa a direção que acaba de cair da sigla, que era comandada por Bruno Araújo (PE). “Já tive vários contratempos. Depois da última eleição, eu fiquei bastante decepcionada com a forma com que o partido fez a distribuição dos recursos para mulheres. Vi candidatas desistindo”, afirmou.
Ela credita isso tanto ao machismo estrutural da política quanto à centralização da distribuição de recursos por Araújo. “O partido deu uma bela de uma encolhida. E eu sempre defendi manter postura independente, não acredito no quanto pior, melhor. Sempre fui oposição, mas construindo. Aí o Bruno diz que seríamos oposição”, afirmou.
A senadora disse não ter conversado sobre sua saída com o futuro presidente da sigla, o governador gaúcho Eduardo Leite.
Candidata a vice-presidente na chapa de Simone Tebet (MDB), que teve 4% dos votos em 2022, Gabrilli não vê contradição no histórico de desavenças que tem com o PT e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva —na campanha, a Justiça Eleitoral tirou do ar uma entrevista na qual ela dizia que o petista tinha pago para evitar que o associassem ao assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel, em 2002.
O caso Celso Daniel é caro à senadora, pois seu pai foi um dos empresários do ramo de transportes que denunciou ter sido extorquido pela administração petista na investigação acerca do sequestro e morte do prefeito.
O PSD está na base de Lula, com três ministérios, ao mesmo tempo em que é central no governo nominalmente de oposição de Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). “Estou confortável comigo mesma. O Brasil sabe dos meus embates com o PT e com o Lula. Mas estamos num momento em que precisamos de pacificação. Não interessa o que eu sinto ou não pelo Lula. Sempre me relacionei bem com todos os partidos no Congresso”, disse.
“O crescimento do PSD é uma reviravolta na política brasileira. Foi uma surpresa a bancada enorme do PL, que traria uma certa característica [ao Congresso, na esteira da votação do então presidente Jair Bolsonaro, que é da sigla]. Agora, temos um partido que não está no extremismo nem de lá, nem de cá”, afirmou.
Ela criticou o inchaço do ministério de 23 para 37 pastas, ainda que parte disso tenha ocorrido para justamente abarcar o PSD que agora integra. “Lula começou errando. E, se muito me agradou a criação das pastas de mulheres e de indígenas, ele reduziu os quadros da secretaria que cuida de pessoas com deficiência à metade”, disse.
“Tem formas e formas de fazer isso. Máquina rica, povo pobre”, disse. Ao mesmo tempo, ela considera necessária a tal pacificação, especialmente após o Capitólio brasileiro do dia 8 de janeiro.
Em relação às prioridades, ela lista a reforma tributária, “fundamental para trazer investimentos ao Brasil”, pautas já associadas a seu trabalho com pessoas deficientes e mulheres, e também questões de saúde pouco comentadas: o acesso à cannabis medicinal e a ampliação de acesso a cuidadores. ”
“Sou uma tetraplégica e sou senadora porque tive condições de ter cuidadores. Temos um contingente de pessoas com doenças raras, 15 milhões no país, idosos e pessoas com deficiências severas, mas que não têm grana para pagar um cuidador”, disse. (Política Livre)