O diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom Ghebreyesus, pediu que os países suspendam seus programas de vacinação quando já tiverem protegido profissionais de saúde e mais vulneráveis e permitam que os imunizantes sejam usados em países mais pobres.
Segundo ele, o fato de que o número de imunizados superou o de casos de coronavírus na última quarta é uma boa notícia, mas esconde uma grande desigualdade.
Mais de três quartos das inoculações aconteceram em apenas 10 países, que correspondem a 60% do PIB global, com nações como o Reino Unido e o Canadá assegurando doses suficientes para vacinar toda a população. Ao mesmo tempo, mais de 100 países com 2,5 bilhões de pessoas não receberam nenhuma dose até agora, disse o diretor da OMS.
Para Ghebreyesus, governos têm o dever de proteger suas populações, mas, uma vez que tenham vacinado os mais velhos e os profissionais de saúde, precisam pensar no resto do mundo. “Isso é fundamental porque, enquanto houver uma grande parcela de pessoas sem imunidade, cresce a possibilidade de o vírus sofrer mutações e escapar do efeito das vacinas. E voltaremos à estaca zero.”
De acordo com o diretor-geral da OMS, o “nacionalismo das vacinas” pode adiar ainda mais o controle da pandemia, já que “o coronavírus não respeita fronteiras”. Em estimativas anteriores, a OMS estimou esse atraso custaria aos países ricos US$ 4,5 trilhões (R$ 24 trilhões).
Ghebreyesus também exortou as companhias farmacêuticas a compartilharem tecnologia e propriedade intelectual e a licenciarem suas vacinas de forma mais ampla, para aumentar a produção mundial.
Segundo ele, vender os imunizantes a preço de custo, como fizeram os laboratórios, não tem sido suficiente. “As empresas receberam extenso financiamento público, e compartilhar dados e licenças fará muita diferença no combate ao vírus.”
Nesta quinta (4), no entanto, os EUA, a União Europeia e o Reino Unido, entre outros países ricos, bloquearam na OMC (Organização Mundial do Comércio) a discussão de uma proposta de sustar as regras de propriedade intelectual de vacinas e tratamentos contra a Covid-19, feita pela Índia e pela África do Sul.
Os dois países pediram a suspensão temporária do acordo Trips (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), sob o argumento de que isso acelerará o acesso de países mais pobres às vacinas. Segundo eles, as empresas farmacêuticas concederam licenças de produção para um número muito pequeno de fabricantes.
Dois desses acordos já concluídos são justamente com indústrias indianas e sul-africanas: o da AstraZeneca com o Serum Institute da Índia, o maior fabricante mundial de vacinas, e o da Johnson & Johnson com a Aspen Pharmacare, da África do Sul. Para os defensores da suspensão de patente, países como Cuba, Indonésia, Senegal e Tailândia também teriam capacidade de fabricação e foram deixados de lado.
Na reunião em que bloquearam a discussão, os países mais ricos argumentaram que isso sufocaria a inovação nas empresas farmacêuticas, por privá-las do incentivo para fazer grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Segundo eles, a desigualdade no acesso a vacinas deverá ser combatido pela Covax, mecanismo de distribuição global de imunizantes, que planeja distribuir 2 bilhões de doses até o final de 2021. Ghebreyesus, porém, afirmou nesta sexta que um dos efeitos positivos de licenciar as vacinas e tratamentos contra a Covid-19 é justamente permitir que os países pobres dependam menos de doações.
Uma nova rodada de negociações pode ocorrer na OMC no dia 23 de fevereiro.
A quebra de patente já foi adotada no Brasil, em 2007, para permitir o uso de um medicamento para tratar doentes de Aids, o Efavirenz, do laboratório americano Merck Sharp&Dohme. Para baratear o remédio, o país optou por genéricos do remédio, fabricados na Índia. A ameaça de quebra de patente já havia rendido descontos em antirretrovirais (que inibem a multiplicação do HIV) em 2001 e 2003.
Capitão Tom Ghebreyesus também fez uma homenagem a Tom Moore, veterano centenário do Exército britânico que ficou conhecido por arrecadar o equivalente a R$ 241 milhões para hospitais do Reino Unido ao fazer caminhadas beneficentes. Capitão Tom, como foi apelidado, morreu nesta terça (2), de complicações da Covid-19.
“Capitão Tom nos mostrou o valor dos idosos. Há uma narrativa desconcertante em alguns países de que as pessoas velhas podem morrer. Não. Nenhuma vida é dispensável”, afirmou o diretor da OMS, voltando a defender que os idosos e os profissionais de saúde tenham prioridade na imunização.
Para facilitar a distribuição de vacinas, a OMS também pediu que os laboratórios acelerem a entrega de dados necessários para que os imunizantes sejam avaliados e autorizados para uso emergencial. A inclusão na lista EUL permite que instituições como Covax e Unicef distribuam os produtos para os países mais pobres.
Outro impacto importante, segundo a responsável pela área de regulação da OMS, Mariângela Simão, é que nações sem estrutura regulatória forte podem se embasar na avaliação e autorização da organização institucional para aprovar os produtos.
Das 14 vacinas pré-candidatas à autorização da OMS, 4 estão em fase final: as das chinesas Sinovac e Sinopharm, a vacina da AstraZeneca licenciada para o Instituto Serum e a produzida pela própria companhia na Coreia do Sul. Simão afirmou que a entidade recebeu na semana passada os dados que faltavam da operação coreana da AstraZeneca, e que o comitê regulador deve se reunir para analisá-los em meados deste mês. (Bahia Notícias)