Recepcionista negra demitida por se recusar a remover tranças deve ser indenizada em R$ 30 mil

Tranças foram motivo de demissão (imagem ilustrativa). — Foto: Alex Robinson / Unsplash / Divulgação

A Justiça determinou o pagamento de R$ 30 mil de indenização por danos morais para uma recepcionista que foi demitida após se recusar a tirar as tranças para trabalhar em uma clínica médica, em Nova Lima, na Grande BH. A ação foi divulgada nesta sexta-feira (20) pelo Tribunal Regional do Trabalho.

A recepcionista e a clínica médica entraram com recursos, que serão julgados no TRT mineiro.

A recepcionista relatou no processo que, assim que voltou das férias, sua superiora imediata observou que ela havia feito tranças no cabelo e tirou foto para levar a uma consultora de imagem, que verificaria a “adequação da mudança de visual”.

A consultora, em ligação telefônica para a recepcionista, com o conhecimento da empregadora, teria dito que deveria retirar as tranças com o argumento de que o visual “não combinaria com a imagem da clínica”. A recepcionista então se negou a atender à solicitação da consultora e, dias depois, foi dispensada.

“A dispensa foi discriminatória, em retaliação à recusa do pedido. Na mesma ligação telefônica, a coordenadora da clínica demonstrou ter conhecimento da ajuda que a consultora prestou um tratamento capilar. Uma exposição indevida”, disse a recepcionista no processo.

A coordenadora da clínica disse no processo que o penteado não se enquadrava no padrão estético que a boa imagem institucional exigia e que a dispensa foi por causa da queda de movimentação, em consequência da pandemia de Covid-19.

“A recepcionista sempre foi valorizada e elogiada. A conversa mantida com a consultora de imagem foi em caráter privado e não houve determinação para que a reclamante alisasse os cabelos”, argumentou no processo.

Na transcrição de gravação telefônica juntada ao processo há o trecho em que a jovem é orientada:

“Quando eu te dou a opção de se enquadrar no dress code da minha empresa, te dou uniforme, não te dou? Da mesma forma, eu vou mandar uma pessoa aí para te ensinar como que o seu cabelo tem que estar adequado para o dress code corporativo da empresa”.

Racismo está no DNA da sociedade, diz juiz

O juiz Henrique Macedo, citando vários autores em sua sentença, falou sobre a força simbólica dos cabelos para a identidade negra e para os povos de origem africana e enfatizou o valor histórico e cultural dos cabelos trançados à moda africana.

Reconheceu que os reflexos econômicos da pandemia podem ter levado a empregadora a decidir pela redução do quadro de pessoal. Entretanto, para ele ficou claro que a escolha pela dispensa da recepcionista teve ao menos como causa a recusa da trabalhadora em modificar o visual. Isso porque a ligação telefônica examinada pelo juiz foi no dia 14 de abril e o encerramento do contrato no dia 20, menos de uma semana depois.

O magistrado chamou a atenção para a dificuldade em identificar os discursos racistas, “quase sempre velados e carregados de justificativas e de negacionismo”.

“Em outras palavras, o discurso mais ouvido, aceito e confirmado pela sociedade é aquele segundo o qual não existe racismo e tudo não passa de vitimismo da pessoa de pele negra. O racismo é um problema presente no ‘DNA’ da sociedade, ou seja, ele se projeta por toda a estrutura de relações que formam as instituições família, igreja, empresas, partidos políticos etc”, escreveu o juiz. (G1)

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