Salvador e RMS registram 11 assassinatos em 24h

Foto: Marina Silva/Correio

A terça-feira é o dia da semana com menos histórico de homicídios, revelam dados da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) compilados entre 2011 e 2021. O período mais violento costuma ocorrer no sábado e domingo. Mas, contrariando as estatísticas, a última terça-feira (11) foi de terror em Salvador e na Região Metropolitana (RMS). Foram 11 assassinatos em nove localidades diferentes e o maior número registrado em 2022. A média dos dias anteriores, a partir de 1º de janeiro, era de 3,3 mortes violentas por dia.

O salto ainda não tem uma explicação. As investigações estão em andamento e, até o momento, a polícia não identificou relação entre as mortes, com exceção de dois duplos homicídios. O primeiro foi de um casal de adolescentes e aconteceu em Lauro de Freitas. Duas horas depois, em Dias D’ávila, dois ciganos foram assassinados e, no caso deles, os crimes não pararam por aí. 

Em um intervalo de 12 horas, a família de ciganos foi praticamente exterminada na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Foram quatro mortos no total: um homem, sua mulher, seu irmão e um sobrinho. Os crimes são investigados pela Polícia Civil, que apura se os casos estão relacionados.

As primeiras mortes aconteceram na cidade de Dias d’Ávila por volta das 19h30 da terça-feira (11). O casal Orlando Alves, 59 anos, e Luciene Alves de Oliveira, 56, estava dentro de casa, na Rua dos Jardins, no bairro de Petrópolis, quando foi baleado por um homem em uma moto. Segundo alguns ciganos vizinhos das vítimas, na hora, o neto do casal, um rapaz de 14 anos, correu para o banheiro, onde permaneceu escondido. Eles relataram que o criminoso parou a moto em frente à residência das vítimas. “Ele chamou o velho pelo nome. Quando abriu a porta, ele recebeu os primeiros disparos. A mulher estava um pouco distante de Orlando e foi baleada logo em seguida”, contou a testemunha. 

Ainda segundo os vizinhos, os corpos foram encontrados com várias perfurações na cabeça e no tórax. “O que fizeram com eles foi uma tamanha crueldade. Orlando e a mulher foram os primeiros ciganos a chegarem aqui no bairro. Todo mundo gostava dos dois. Era um casal pacato, que não mexia com ninguém”, declarou um vizinho. Orlando trabalhava com a venda de terrenos na localidade. 

Já o irmão e sobrinho de Orlando, Alcides, 76 anos, e Nilson Alves, 44, sofreram a violência em Camaçari, por volta das 7h30 de ontem, não entrando na estatística dos 11 mortos da terça. Eles estavam na Rua Serra Verde quando foram baleados. Os dois morreram no local. Um segundo sobrinho de Orlando, chamado Joel, 45 anos, também foi atingido e está internado no Hospital Geral de Camaçari. Não há informações sobre o seu estado de saúde. Os três irmãos estavam dentro de um Palio vermelho e foram atingidos em frente à igreja Assembleia de Deus Peniel – ao lado da casa onde moravam.

A história de terror não para por aí. Há cerca de 40 dias, um outro filho de Orlando foi assassinado numa emboscada na localidade de Cascavel, em Dias d’Ávila.

“Do nada, chegam, matam e ninguém sabe o porque”, disse um cigano amigo da família, que preferiu não revelar o nome. No entanto, informações preliminares da polícia dão conta de que as mortes teriam sido encomendadas por outro cigano, que responsabiliza a família de Orlando pela morte de seu neto.

Dois adolescentes mortos em Lauro de Freitas

O outro duplo homicídio da terça (11) aconteceu na Rua Direta do Capelão, em Areia Branca, Lauro de Freitas. Cauane Lima dos Santos, 15 anos, e Josafá dos Santos Menezes, 17, foram vítimas de tiros às 17h22. Segundo a Polícia Civil, Cauane chegou a ser socorrida para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Itinga e Josafá, para o Hospital Geral Menandro de Faria, mas ambos não resistiram. 

A Polícia Civil informou que o caso está sendo investigado pela 27ª Delegacia Territorial (DT/Itinga). A unidade policial já iniciou as investigações a fim de chegar à autoria, motivação e dinâmica do crime e já ouviu, de maneira preliminar, um familiar de cada uma das vítimas. Foram expedidas as guias para o trabalho do Departamento de Polícia Técnica (DPT).

Ainda na terça, na Caixa d’Água, às 9h46, o corpo de Lucas Guerra Santos Conceição, 18 anos, foi encontrado pela mãe, dentro de casa. O rosto da vítima apresentava sangramento. Autoria e motivação estão sendo investigadas. Foram expedidas guias de perícia e remoção.

Em Águas Claras, às 11h08, Davi Cauan Souza de Santana, 17, foi baleado por homens em um veículo. Ele foi socorrido para o Hospital Eládio Lasserre, mas não resistiu. Equipes da Polícia Civil estiveram no local, não há detalhes sobre autoria e motivação do ataque.

Em Pojuca, às 20h23, um latrocínio vitimou Anderson Bruno de Jesus Santos, 21 anos. Ele estava transportando frutas em um caminhão e parou para verificar o estado do veículo, quando dois homens encapuzados anunciaram o assalto e efetuaram disparos. A DT de Pojuca está responsável pela investigação e guias periciais foram expedidas.

No bairro de Valéria, às 21h07, um homem sem identificação foi atingido por disparos. A Equipe Silc/DHPP foi acionada. Autoria e motivação são investigadas. Em Pirajá, às 21h50, um homem também sem identificação foi encontrado com marcas de tiros. O crime estpa com a 3ª DH/BTS.

Em Monte Gordo, às 23h53, um homem sem identificação foi encontrado com marcas de disparos de arma de fogo. A autoria e motivação do crime ainda estão sendo apuradas.

Janeiro vermelho

A soma de assassinatos nos primeiros 11 dias de janeiro é 46 (veja lista ao lado). O número é 28% menor que o registrado nos primeiros 11 dias de 2021, quando ocorreram 64 homicídios.  Em relação a janeiro deste ano, a partir das informações dos boletins da SSP, é possível traçar um perfil parcial das vítimas. Das 46 pessoas, 41 são homens, o que representa 89%. Apenas 5 são mulheres (11%). Em relação à idade, somente 24 vítimas tinham essa informação no boletim. Desse total, 13 (54%) são jovens de até 30 anos e 5 são menores de 20. 

De acordo com um levantamento do CORREIO a partir de dados da SSP, 20.137 pessoas morreram de forma violenta entre janeiro de 2011 e junho de 2021. Esse número é maior do que a população inteira da cidade de Pindobaçu, no Sertão, por exemplo, e pouco menor do que a população de outras cidades como Abaré, Baixa Grande, Barra da Estiva, Maracás e Maraú, todas com população menor que 21 mil pessoas. 

De 2011 a 2021, quem mais morreu vítima de violência em Salvador e na RMS foram homens de 17 a 26 anos. A faixa de idade com o maior número de vítimas foi a de 19 anos. Quatro bairros da periferia de Salvador se destacam na lista de mortes em 2021: São Marcos, onde 87,3% da população se autodeclara preta ou parda, São Caetano, Valéria e Fazenda Grande do Retiro. 

Os boletins com os crimes deste ano não informam a cor da pele das vítimas, mas especialistas apontam que a maior parte das pessoas que têm mortes violentas são jovens, negros e moradores da periferia, inclusive aqueles mortos por intervenção policial, que não aparecem nos boletins e, portanto, não integram a lista das vidas já perdidas este ano.

O que diz a SSP

Em nota, a SSP disse que o registro de 11 mortes violentas na terça (11) “é considerado atípico, visto que os primeiros dias do ano apresentaram reduções significativas em relação ao mesmo período do ano anterior”. A Secretaria também destacou que os esforços continuam para reduzir ainda mais esses índices e que todos os casos já são acompanhados pela Polícia Civil para identificação e apresentação dos autores à Justiça. 

A nota ainda informa que a SSP está trabalhando para conter as trocas de tiros recorrentes em alguns bairros de Salvador nos últimos tempos e que já possui a identificação dos grupos responsáveis por essas ações. “Foi constatado o acirramento pela disputa dos pontos de vendas de drogas após a saída temporária de mais de 400 detentos do sistema prisional no período do final do ano”, diz o órgão. 

Já a Polícia Militar disse que o policiamento ostensivo é realizado rotineiramente por guarnições embarcadas em viaturas e motos ou mediante acionamento pela comunidade. “Cada bairro é patrulhado pela respectiva unidade de área, com o apoio de guarnições táticas e especializadas, que reforçam as ações operacionais. Além disso, a Polícia Militar realiza operações especiais programadas com o foco em apreensões de armas e drogas, além da diminuição do tempo-resposta no atendimento dos chamados. É imprescindível, para tanto, que a comunidade acione guarnições da PM em face da suspeita de crimes em andamento”, diz a nota. 

A corporação orienta que o cidadão desconfie de um delito em andamento ou de alguém em atitude suspeita que entre em contato pelo 190 ou pelo 181 (disque-denúncia).

Desigualdade acirra a violência

Para o especialista em gestão pública e professor titular do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Sandro Cabral, que também é professor licenciado da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a violência observada nas ruas está associada às desigualdades.

“A gente pode associar esse cenário de violência, dentre outros fatores, à crise econômica, ou seja, amplificação da pobreza e desesperança. Sem emprego e sem ocupação, num cenário de extrema desigualdade em que vivemos, acabamos tendo todos os ingredientes para a imersão da violência como forma de resolução de conflitos e imposição de poder”, afirma. 

“É na segurança pública que acabam todas as mazelas sociais, desigualdades econômicas e até o individualismo da sociedade. Tudo isso acaba sendo refletido em violência”, resume.

O professor acrescenta que um dos fatores ligados às mortes violentas é o tráfico de drogas associado ao crime organizado. “Há um cenário de crime organizado Brasil afora, o tráfico de drogas é uma atividade extremamente lucrativa. Na Bahia, a gente vem acompanhando a imersão do poder dos traficantes nos últimos anos. Com isso, vem a disputa por território, conflitos, etc., como grandes motores de violência”, diz. 

O especialista em gestão pública traz alguns pontos do que seria um caminho para a diminuição da violência: “Não adianta querer aumentar recursos materiais e humanos se não utilizamos bem os que já temos. No caso de policiais, por exemplo, podemos melhorar as escalas e rever o efetivo que está em desvio de função, temos muitos policiais exercendo funções administrativas, por exemplo. Outra coisa importante é a integração forte entre as forças policiais, como Polícia Civil e Polícia Militar, com compartilhamento de informações e ações coordenadas. Também é preciso trabalhar o princípio de transparência e qualificação porque os policiais não são acima da lei, é necessário rigor na apuração de desvios e combate ao corporativismo”, enumera. 

Quem são os 46 mortos em Salvador e RMS até o dia 11:

1/01 – 3 MORTES (Além de 2 tentativas de homicídio)
MARCOS NEVES DAS DORES – 21 anos – SÃO SEBASTIÃO DO PASSÉ
A. J. dos S. L. (masculino) – 17 anos – VERA CRUZ 
VALÉRIA MARIA CARDOSO DOS SANTOS TELES – 36 anos – ALTO DE COUTOS

2/01 – 4 MORTES
ROBERT FRANCISCO CARLOS REIS – 22 anos – ARENOSO
IAGO SILVA DOS SANTOS – 22 anos – ARENOSO
JAILSON DA ENCARNAÇÃO MORAIS – 43 anos – CAMAÇARI
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – ALTO DO CABRITO

3/01 – 2 MORTES
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – NOVA BRASÍLIA
DANILO PARANHOS BONFIM SANTOS – 36 anos – PALESTINA

4/01 – 2 MORTES (Além de 2 tentativas de homicídio)
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – JARDIM CRUZEIRO
ELIEZER CONCEIÇÃO COSTA – 58 anos – SUSSUARANA

5/01 – 5 MORTES
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – CALÇADA
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – LOBATO
MARCOS VINICIUS SANTOS PINHEIRO – 30 anos – NOVO MAROTINHO
LUÍS CLÁUDIO AMORIN LIMA – 51 anos – FAZENDA COUTOS 3
MULHER DE IDENTIDADE IGNORADA – VALÉRIA

6/01 – 2 MORTES (Além de 1 tentativa de homicídio)
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – ÁGUAS CLARAS
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – CASSANGE

7/01 – 5 MORTES
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – LIBERDADE
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – DIAS D’ÁVILA
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – DIAS D’ÁVILA
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – PIRAJÁ
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – ALTO DA TEREZINHA

8/01 – 3 MORTES
UIDISLEI OLIVEIRA SANTANA – 28 anos – CANDEIAS
EMERSON FERREIRA SANTOS – 34 anos – CAMAÇARI
VANILSON MENEZES DOS SANTOS – 32 ANOS – BAIXA DE QUINTAS

9/01 – 5 MORTES (Além de 1 tentativa de homicídio)
JACIANE SANTOS DE JESUS – 30 anos – VERA CRUZ
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – SIMÕES FILHO
JANILSON SANTOS SILVA – 28 anos – SALINAS DA MARGARIDA
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – ITAPUÃ
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – SÃO CRISTÓVÃO

10/01 – 4 MORTES
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – ÁGUAS CLARAS
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – CAMAÇARI
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – IAPI
ALESSANDRO DE MEDEIROS – 35 anos – PELOURINHO

11/01 – 11 MORTES
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – MONTE GORDO
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – PIRAJÁ
HOMEM DE IDENTIDADE IGNORADA – VALÉRIA
DAVI CAUAN SOUZA DE SANTANA – 17 anos – ÁGUAS CLARAS
LUCAS GUERRA SANTOS CONCEIÇÃO – 18 anos – CAIXA D’ÁGUA
ANDERSON BRUNO DE JESUS SANTOS – 21 anos – POJUCA
ORLANDO ALVES – 59 anos – DIAS D’ÁVILA
LUCIENE ALVES DE OLIVEIRA – 56 anos – DIAS D’ÁVILA
CAUANE LIMA DOS SANTOS – 15 anos – LAURO DE FREITAS
JOSAFÁ DOS SANTOS MENEZES – 17 anos – LAURO DE FREITAS
OSEAS SANTOS DE SOUZA – 45 anos – CAMAÇARI

*Fonte: Boletins da SSP-BA

por: Carolina Cerqueira e Bruno Wendel / Correio 24h

google news