Sob Bolsonaro, Incra paralisa assentamentos em 66 projetos de reforma agrária

Foto: Reprodução/Twitter

Apesar de ter à disposição 66 projetos de assentamento para reforma agrária, o governo Jair Bolsonaro não assentou nenhuma família nesses locais, que, somados, equivalem ao município do Rio de Janeiro.

Documento interno do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) obtido pelo jornal Folha de S. Paulo informa que há 111.426 hectares prontos para a reforma agrária, espalhados em todas as regiões do país.

Criados desde 2016, esses projetos têm capacidade para 3.862 famílias, mas o número de assentados nesses locais é zero.

“É a primeira vez que isso ocorre no Incra, num momento em que há milhares de famílias para serem inseridas no programa de reforma agrária”, diz José Batista Afonso, advogado da organização católica CPT (Comissão Pastoral da Terra) em Marabá (PA). Afonso atribui a paralisação às novas regras que vêm sendo implantadas desde o governo Michel Temer (MDB).

A principal mudança prevê que as famílias têm de se inscrever diretamente, sem participação de movimentos sociais, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que Bolsonaro já chegou a classificar de “organização terrorista”.

Depois de cadastrada, a família precisará esperar surgir uma vaga, via edital do Incra, para disputar um lote dentro de um projeto de reforma agrária, em processo semelhante ao de um concurso público.

O advogado do CPT diz que esse sistema é inviável, pois já existem famílias morando nos projetos de assentamento, em alguns casos por dez anos, à espera de regulamentação.

“O Incra vai tirar aquela família e colocar uma família nova? Em função desses problemas reais, eles não sabem o que fazer. Seria o caos”, avalia.

Sem a regularização, essas famílias não têm acesso a diversas políticas públicas do Programa Nacional de Reforma Agrária, como linhas de crédito, assistência técnica, melhorias na infraestrutura e demarcação oficial dos lotes.

Para o procurador da República Julio Araujo, a seleção por meio de editais em áreas já ocupadas gera insegurança jurídica e risco de violência.

“Em lugares com presença consolidada de beneficiários, sem observar qualquer regra de transição, o Incra parece querer substituir beneficiários e retirar pessoas ligadas a movimentos sociais, sem se preocupar com a vocação para o trabalho rural”, diz Araujo, do Grupo de Trabalho Reforma Agrária, vinculado à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

SEM DINHEIRO

Via assessoria de imprensa, o Incra afirmou que, “por restrições orçamentárias no exercício de 2019, não foi possível avançar no processo de seleção e homologação de famílias nos assentamentos criados pela autarquia”, mas que o programa será retomado a partir de 2020.

Segundo o documento interno obtido pela reportagem, a modernização do Sipra (Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária) foi paralisada por falta de dinheiro para contratar uma empresa de software, o que “representou uma ruptura nas tratativas de melhoria do sistema”.

Sobre esse problema, o Incra informou que a atualização da ferramenta está “em estágio bastante avançado”.
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Em relação ao processo de escolha, o Incra afirmou que “não assenta famílias utilizando como critério a associação a movimentos sociais ou sindicais do campo” e que o decreto 9.311, de 2018, prevê a seleção de famílias “com total isonomia, com a devida publicidade, por meio de publicação de editais de seleção no site do Incra, de forma que qualquer pessoa/família pode se inscrever no processo seletivo”.

“Todos os interessados, independentemente de ligações políticas ou movimentos sociais, terão igual oportunidade de concorrer a um lote em assentamentos do Incra”, afirma o órgão.

Neste ano, o Incra informou ter homologado 4.337 famílias. Trata-se, porém, de processos antigos de regularização de agricultores familiares que ocupavam lotes sem autorização do Incra. Nenhuma dessas famílias está dentro dos 66 projetos de reforma agrária listados no documento interno.

O contingente mais baixo de assentados foi em 2017, no governo Michel Temer, com 1.205 famílias. O recorde de assentados ocorreu em 2006, no primeiro governo Lula (PT), 136 mil famílias.

Nos últimos 25 anos, a média de assentados é de 54 mil famílias por ano, incluindo 2019.

Em outubro, Bolsonaro nomeou para a presidência do Incra o economista ligado ao agronegócio Geraldo Melo Filho. Ele substituiu o general João Carlos Jesus Corrêa, demitido por pressão dos ruralistas, que pressionam por mais celeridade na entrega dos títulos de posse. O governo Bolsonaro prometeu distribuir 600 mil títulos de terra em quatro anos.

Estadão

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