Teve vômito e diarreia? Número de soteropolitanos com virose sobe 41%

Foto: Marina Silva/Correio

A advogada Olívia Suzart, 42 anos, começou a apresentar diarreia, náusea, falta de apetite e cansaço durante três dias, tentou se tratar em casa, mas as dores e disenteria aumentaram ao ponto de usar fralda geriátrica. Sem sinal de melhora, foi ao Hospital da Bahia e teve uma surpresa ao ver a emergência lotada pelo mesmo motivo. Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Salvador, só até julho, o número de casos na capital cresceu 41% comparado ao valor total de 2021. Enquanto o ano passado registrou 17.056 casos, 2022 já tem 24.140.  A virose causa, sobretudo, vômito, diarreia e mal-estar decorrentes de contato com gotículas e alimentos contaminados.

“Achei que fosse algo que tivesse comido. Mas a emergência estava lotada e, segundo informações da enfermeira que me atendeu na triagem, 90% das pessoas que estavam lá era por esse sintoma. A médica disse que foi rotavírus [vírus que causa infecção gastrointestinal]”, conta Olívia.

O imunologista pediátrico Celso Sant’Ana atende na emergência do Hapvida do bairro do Uruguai, do Hospital Teresa de Lisieux e no Programa Saúde da Família (PSF) do Pelourinho e também tem percebido esse aumento. “Começou a acontecer de forma mais forte no início de abril, […] as emergências lotaram com vômito, diarreia ou febre. Descobrimos que quase 50% dessas amostras [coletadas de suspeitos de infecção gastrointestinal] se atribuíram ao norovírus. De 10% a 20% desses casos, as crianças precisam ir para o hospital tomar soro venoso, mas não é nenhum vírus que leve à mortalidade”, explica. 

Levantamento feito pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) mostra que 5.375 pessoas foram atendidas na rede ambulatorial do Sistema Único de Saúde (SUS) por doenças infecciosas intestinais do início do ano até maio. O número, referente à época anterior ao São João, já é cerca de um terço do valor total do ano passado, quando o estado registrou 14.015 casos durante os 12 meses. 

Para Sant’Ana, a circulação do vírus foi intensificada devido às aglomerações geradas nas festas de São João. Apesar da contaminação em alta desde abril, o médico caracteriza os festejos como facilitadores que agora ocasionaram lotação nas unidades de saúde de toda a Bahia. Segundo o pediatra, o norovírus é altamente infeccioso e agressivo, por isso há o surto, porém, a doença é autolimitada. Quando leve, dura de dois a cinco dias e tem regressão gradual dos sintomas. 

Coordenador médico do Pronto Atendimento Rodrigo Argolo, em Tancredo Neves, Matheus Mendonça conta que a incidência da gastroenterite é cíclica. Ou seja, é comum que o surto aconteça em alguns períodos, sem motivo factual. No entanto, reitera que o São João fortaleceu a disseminação neste ano. 

“São coisas que historicamente acontecem em ciclos. Algum vírus se destaca e aparece com mais frequência”, observa. 

No Hospital da Bahia, a reportagem encontrou ao menos três pessoas com sintomas coerentes com diagnóstico de gastroenterite. Uma delas foi a estudante de 19 anos Beatriz Macedo. Ela conta que começou a ter dor na barriga e diarreia dois dias antes de buscar o pronto-socorro e desconfia que contraiu a virose por transmissão de uma colega em sala de aula. 

“Da minha sala, Lorena teve os mesmos sintomas que os meus. Mas ela chegou a vomitar. O que ela comia, ela botava para fora. A gente senta junto em tudo, acho que peguei a virose dela”, suspeita. 

Beatriz Macedo se queixou de dor e procurou ajuda médica (Foto: Marina Silva/Correio) 

Outra jovem que estava no local e pediu anonimato diz que desenvolveu diarreia, náuseas e calafrios. “Comecei a sentir a diarreia, mas não estava com tanta frequência. Piorou durante uma madrugada, senti muitas náuseas. Então decidi ir à emergência”, narra. Ela afirma que os médicos não deram diagnóstico do que seria e ficou no soro com Buscopan, além de remédio para aliviar dor de cabeça. 

A reportagem também encontrou casos com sintomas similares no Pronto Atendimento Alfredo Bureau, no Marback. Um enfermeiro que pediu para não ser identificado afirmou que a unidade tem sido buscada com recorrência para casos de gastroenterite. “Nos casos que a gente está mais vendo aqui tem dor de cabeça, diarreia, dor no corpo, vômitos. Vem com suspeita de covid, sendo que na maioria das vezes os casos são negativados. 70% dos pacientes que estão vindo aqui têm esses sintomas, sendo crianças, adultos e jovens”, afirma. 

Crianças e idosos devem ter mais cuidado 

Especialistas afirmam que crianças e idosos devem ser o público com maior cuidado, tanto na prevenção – sobretudo os pequenos, que circulam por escolas -, como no tratamento, pois são os mais vulneráveis em questão de desidratação.

O gastropediatra Tiago Oliveira explica que, apesar da atenção especial à classe para hidratação, o curso da virose costuma se resolver de forma benigna, sem complicações. 

“As crianças voltaram a ocupar os parques, creches, playgrounds de condomínio. Teve aumento expressivo porque basta que uma criança esteja sintomática para contaminar um objeto e outra criança que tenha acesso ao objeto carregue para casa 24h a 48h depois do contato. É uma cadeia de transmissão difícil de conter, por outro lado são fáceis de conduzir [à recuperação]”, salienta. Para o público, é importante que os pais mantenham as vacinas em dia, higiene adequada, hidratação e a limpeza de alimentos.

Já a prevenção de adultos, segundo o gastroenterologista Luiz Queiroz, deve ser feita por meio da vigilância sanitária, responsável por monitorar os cuidados higiênicos dos estabelecimentos a fim de prevenir contaminação por alimentos e água. Assim como estar atento às normas de higiene já estabelecidas pelos protocolos da covid, como sempre limpar as mãos. 

A afirmação médica é que não existe tratamento específico para gastroenterite, o que se faz é o tratamento de suporte, neste caso, cuidar dos sintomas e hidratar o paciente, uma vez que o próprio corpo se responsabiliza pela melhora. A orientação de Queiroz é que, em casos de vômito com frequência, o indivíduo busque assistência médica. Já em casos de sintomas mais leves, como diarreia sem vômito, é importante a ingestão de sopa, água de coco e sucos caseiros. 

Chefe de reportagem Perla Ribeiro / Correio 24h / por Esther Morais*

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