Tradicional festa da Boa Morte começa neste sábado em Cachoeira, no recôncavo baiano

Festa atrai pessoas de vários lugares, inclusive de fora do país — Foto: Jomar Lima / Arquivo Pessoal

Evento é realizado há mais de dois séculos e volta a receber público após dois anos, por causa da pandemia de Covid-19.

Começou neste sábado (13) e segue até o próximo dia 17 a Festa de Nossa Senhora da Boa Morte, uma das celebrações religiosas mais importantes da Bahia. Após dois anos sem público, por causa da pandemia, este ano a cidade de Cachoeira, no recôncavo baiano, volta a receber milhares de visitantes, de várias partes do Brasil e do mundo, ávidos por conhecer a tradição que já dura mais de 200 anos.

A Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte é uma confraria religiosa afro-católica que, na sua origem, e por muito tempo, foi responsável pela alforria de inúmeros escravos. Atualmente, a missão social do grupo é voltada para a educação, principalmente.

A festa da Boa Morte acontece sempre em agosto, mês dedicado à Nossa Senhora. O evento é considerado Patrimônio Imaterial da Bahia desde 2010.

A programação começa com uma missa, seguida pela saída do corpo de Nossa Senhora da Boa Morte da Capela de Nossa Senhora D’ajuda, em procissão pela cidade. O cortejo desta noite é composto por mulheres da secular Irmandade da Boa Morte, que percorrem as ruas segurando velas, vestidas em trajes de gala na cor branca – que representa uma passagem pacífica nas religiões afro-brasileiras.

A abertura é o considerada como o dia das “irmãs falecidas”. Na missa, as participantes lembram os nomes das ancestrais e incensam o ambiente em torno da imagem de Nossa Senhora morta. Depois, saem em procissão, carregando a imagem sobre um andor rumo à Igreja matriz de Nossa Senhora do Rosário.

No percurso, elas param apenas uma vez, em frente à casa “estrela”, de número 41, onde funcionou primeira sede da irmandade. Depois é servida uma ceia, com alimentos que não levam azeite de dendê, nem pimenta. Tudo que vai à mesa é branco, como arroz, pão e diversos tipos de peixe.

No domingo (14), elas participam de uma outra missa seguida de procissão, que representa o enterro de Nossa Senhora da Boa Morte. Nesta ocasião, as mulheres estão enlutadas e vestem peças nas cores preta e branca – exceto as “irmãs de bolsa”, que se vestem branco em todos os dias festivos.

Não há uma data precisa sobre o surgimento da irmandade. Pesquisadores apontam que os primeiros sinais do grupo são de 1810, em Salvador, a partir de mulheres escravizadas oriundas de países africanos.

O grupo, que atuava para alforriar escravos, foi extinto por causa de perseguições, que fizeram com que algumas irmãs fossem para Cachoeira, cidade que, na época, gozava de uma economia pujante. Em 1840, elas retomaram a irmandade no recôncavo.

O nome da irmandade foi escolhido porque quando os negros eram maltratados – o que era comum nos séculos passados, sempre pediam para terem uma boa morte. Muitos pediam a interseção de Maria, para morrerem bem junto a ela.

O grupo já chegou a ter 150 integrantes, com posições passada entre gerações. Apesar do número relativamente expressivo, essas mulheres precisaram lutar para cultuar uma santa católica, sem deixar de lado a ancestralidade do povo preto. Elas celebravam a santa católica, mas também cultuavam orixás. Nem todos os padres eram generosos e alguns não abriam as portas das igrejas para as irmãs, e não as aceitavam como negras, nem a matriz religiosa que herdaram.

Programação

Irmandade da Boa Morte, em Cachoeira, na Bahia — Foto: Jomar Lima/Divulgação
Irmandade da Boa Morte, em Cachoeira, na Bahia — Foto: Jomar Lima/Divulgação

14 de agosto, domingo
19h – Missa de corpo presente de Nossa Senhora na capela de Nossa Senhora da Boa Morte.
21h – Procissão da dormição de Maria, enterro da Nossa Senhora da Boa Morte pelas ruas da cidade.

Com a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte já na igreja, as irmãs partem da sede da irmandade carregando velas e vestidas com a tradicional beca: saia preta plissada e blusa branca de manga, lenço branco na cintura e uma chinela branca – exceto as “irmãs de bolsa”, que se vestem de branco em todos os dias festivos.

14 de agosto, segunda-feira, dia de Assunção de Nossa Senhora
5h – Alvorada com fogos de artifício
10h – Solene Missa da Assunção de Nossa Senhora na igreja matriz de Nossa Senhora do Rosário.
11h – Procissão festiva em homenagem à Nossa Senhora da Glória
12h – Valsa e samba de roda no Largo D’ajuda
13h – Almoço das irmãs, convidados e pessoas da comunidade na sede da irmandade
16h – Samba de roda no largo d’ajuda

O terceiro dia festivo é o mais esperado. A procissão é acompanhada pela filarmônica local. Com flores nas mãos, as irmãs carregam o andor de Nossa Senhora da Glória, auxiliadas por alguns homens. Na igreja matriz, o ambiente é, anteriormente, incensado pelo padre e as irmãs comemoram a Assunção de Nossa Senhora com muitos adornos, como correntes e colares, vestidas com beca, com o pano das costas do lado vermelho, representando traje de gala. Para elas, o vermelho representa alegria.

Na ocasião, elas exprimem a satisfação que sentem com a elevação de Nossa Senhora aos céus e com a libertação da escravidão. Neste dia, a procissão é mais longa, saindo da Casa da Estrela (primeira sede da irmandade), percorrendo vários pontos, passando pela capela da sede da irmandade, onde deixam a santa, seguindo novamente para a igreja matriz, onde acontece a transferência dos cargos, com posse da nova comissão de festa. Após recolher a procissão na sede da irmandade, as irmãs dançam valsa tocada pela filarmônica local.

16 de agosto, terça-feira
18h – samba de roda no Largo d”Ajuda e oferecimento de cozido. O ato de dar comida representa abundância e prosperidade.

17 de agosto, quarta-feira
18h – samba de roda e oferecimento de caruru. A irmãs entregam às águas, em forma de presente, flores perfumadas, renovando, assim, compromisso com a continuidade da vida. (G1 Bahia)

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