UBS deixam moradores na espera em Muritiba

Fotos: Joá Souza
Fotos: Joá Souza

As Unidades Básicas de Saúde (UBS) são locais onde o cidadão deve receber os atendimentos primários de saúde, sem que o paciente tenha que se deslocar para outros hospitais. É lá que 80% dos casos devem ser resolvidos. Em Nazaré, no Recôncavo baiano, ao contrário do que determina o Ministério da Saúde, as UBS parecem não dar conta de atender a saúde primária da população que, sem muita opção, tem recorrido à Santa Casa de Misericórdia, deixando a direção da instituição preocupada com a elevada demanda.

Somando a receita própria do município e recursos transferidos pelo Governo Federal, a cidade contou, em 2018, com o montante de R$ 54,4 milhões para serem aplicados em obras e serviços, de acordo com informações prestadas pela gestão ao Tribunal de Contas do Município (TCM-BA). Desse total, 9,41% foram aplicados na área da saúde, o que corresponde ao valor de R$ 5,1 milhões.

Mas segundo relatos dos moradores, o investimento parece não resolver os principais problemas da área de saúde. As principais queixas dizem respeito à ausência de médicos permanentes nos postos.

Problemas como esse acabam sobrecarregando a Santa Casa, hospital que não é municipal, mas que atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS), contando com emergência 24 horas e 12 leitos. O espaço tem como público-alvo os pacientes em situações emergenciais e de urgência, mas a unidade, geralmente, fica lotada devido ao atendimento ao pacientes que deveriam buscar a Atenção Básica, responsabilidade do município.

Relatos

Em Nazaré, a reportagem foi à Unidade Básica de Saúde (UBS) Muritiba I. Lá, alguns pacientes esperavam atendimento, mas um aviso estampado na fachada do posto indicava que o único profissional da casa estava de férias. Em seu lugar, ninguém.

A dona de casa Marlene Rosário, 52 anos, foi até a unidade marcar um exame e se espantou ao ver o anúncio na entrada. “Claro que os médicos precisam ter as férias e descansar, mas não tem substituto. A gente vai ter que aguardar a médica retornar para receber atendimento. Tinha de ter uma pessoa para botar no lugar. Se eu tiver alguma coisa e for para a emergência, não vou ser atendida, porque a médica está de férias?”, questionou.

A jovem Iara de Jesus, 23, que mora ao lado de uma Unidade de Saúde da Família (USF), diz conhecer bem a realidade do equipamento de saúde do bairro. Quando ela precisa de qualquer atendimento básico procura outra alternativa. “Às vezes eu nem passo no posto. Vou direto para o hospital com a minha filha. Porque nas unidades não tem um atendimento adequado, nem para os pacientes mais ‘suaves’. Fora que, para conseguirmos uma ficha temos que acordar, no mínimo, às 2h da manhã”, conta.

“Recorremos à Santa Casa, porque nos postos é difícil” Marlene Rosário,dona de casa
“Recorremos à Santa Casa, porque nos postos é difícil” Marlene Rosário,dona de casa Fotos: Joá Souza
“Pra tentar marcar exame, temos que acordar às 2h da manhã” Iara de Jesus,dona de casa
“Pra tentar marcar exame, temos que acordar às 2h da manhã” Iara de Jesus,dona de casa Fotos: Joá Souza

Resposta

A titular da Secretaria de Saúde, Samantha Falcão, reconhece que o desfalque é um problema para o município. Por isso, quando um médico falta é preciso recorrer a uma esquema de “revezamento” para não comprometer os atendimentos das unidades de saúde. O que parece não funcionar na cidade.

“Os profissionais pertencem ao Programa Mais Médicos, do Governo Federal, que não manda substituto em caso de afastamento”, justificou.

O Ministério da Saúde explicou, por meio de sua assessoria, que os médicos do programas vão para fortalecer o atendimento dos municípios que já contam com os seus profissionais próprios. A gestão de Nazaré, nesse caso, ainda segundo a assessoria, é quem seria a responsável por criar e organizar uma escala para evitar que imprevistos como esse aconteçam.

Ainda de acordo com a secretária, há, atualmente, cinco médicos trabalhando pelo programa federal e seis atuando no esquema de cooperação.

Na UBS de Muritiba, a única médica está de férias, e não foi substituída
Na UBS de Muritiba, a única médica está de férias, e não foi substituída Fotos: Joá Souza

ATENDIMENTO A CASOS SIMPLES SOBRECARREGAM SANTA CASA

Com 189 anos de história, a Santa Casa de Misericórdia também atende pacientes de municípios vizinhos, como Aratuípe, Jaguaripe, Muniz Ferreira e Salinas da Margarida. O hospital é dedicado a prestar, com prioridade, socorro a pacientes que chegam em situações consideradas mais delicadas, pessoas que, durante a triagem, considerando o protocolo de classificação de risco, recebem pulseiras laranjas (urgência) e vermelhas (emergência).

O problema é que com a falta de um cuidado maior com a Atenção Básica no município, os pacientes com casos de menor complexidade, os de pulseiras verdes (pouca urgência) e azuis (não urgentes), quando não encontram atendimento nos postos da prefeitura, acabam batendo na porta da Santa Casa. A migração já representa 70% de todos os atendimentos realizados por lá.

Segundo Gabriela Barreto, gerente de operação da Santa Casa, o espaço até consegue atender à demanda, mesmo que com muita dificuldade. O problema, contudo, é fazer a população entender que os casos mais graves precisam ser atendidos primeiro.

“Os pacientes que são verdes e azuis não conseguem compreender o tempo de espera. Eles deveriam ser atendidos no posto (da prefeitura), o que não acontece. Quando esses pacientes vêm para cá, atendemos no tempo de espera de acordo com a classificação, mas eles não conseguem compreender”, explicou Gabriela.

De acordo com o Ministério da Saúde, é dever dos municípios prestar Atenção Básica. Além disso deve ser oferecido também atendimento de saúde 24 horas.

Com a falha da prefeitura, profissionais da Santa Casa, além de sobrecarregados, são obrigados a trabalhar sob pressão. Principalmente os recepcionistas, que, em alguns casos, são ameaçados.

Ainda de acordo com Gabriela, esse atrito cria uma situação nada agradável para a instituição, que já começa a sentir o peso do aumento da demanda.

Santa Casa de Misericórdia atende alta demanda
Santa Casa de Misericórdia atende alta demanda Fotos: Joá Souza

“Isso traz um impacto negativo para a instituição. Embora a gente faça campanhas publicitárias explicando sobre o tempo de espera determinado pela classificação de risco para os pacientes verdes e azuis, a pessoas pensam que não queremos atender”, completa.

A Santa Casa até chegou a realizar ações de conscientização para a população do município. Enfermeiros, agentes dos postos de saúde e agentes comunitários ajudaram a propagar as informações sobre as prioridades. Mas não durou muito.

Em 2017, cansada do alto fluxo, a direção convocou representantes de Nazaré e cidades vizinhas para cobrar medidas, com a finalidade de evitar a lotação de pacientes da atenção primária na unidade. Segundo Gabriela, houve uma melhora imediata, mas, aos poucos, a situação voltou a ficar como antes.

O médico plantonista Cláudio Souza relata que, nos dias de maior fluxo, chegou a atender uma média de 140 pacientes por plantão.

“Temos que ser rápidos. Porque os próprios pacientes começam a gritar e chutar a porta” Cláudio Souza,médico
“Temos que ser rápidos. Porque os próprios pacientes começam a gritar e chutar a porta” Cláudio Souza,médico Fotos: Joá Souza

“E eles não aceitavam orientação de forma alguma. Temos que fazer tudo mais rápido por conta dos próprios pacientes que começam a gritar e chutar a porta. Então isso trazia, como consequência, a queda na qualidade do atendimento”, detalhou.

“Esses pacientes deveriam ser atendidos no posto, mas isso não acontece” Gabriela Barreto, gerente de operação
“Esses pacientes deveriam ser atendidos no posto, mas isso não acontece” Gabriela Barreto, gerente de operação Fotos: Joá Souza

SECRETÁRIA ATUAL ASSUMIU O CARGO HÁ APENAS DOIS MESES

Há dois meses houve um jogo de cadeiras na Secretaria de Saúde de Nazaré. A enfermeira Maria Clara Fernandes Pitanga Silva deixou a pasta para dar lugar à também enfermeira Samantha Falcão. A troca aconteceu depois que Maria Clara, que também ocupava um cargo público na cidade vizinha de Santo Antônio de Jesus, como efetiva, resolveu optar pelo último posto.

Quase três anos depois do início da gestão da prefeita Eunice Barreto, a nova secretária garante que não pegou o bonde andando, já que fazia parte da coordenação da média complexidade do município. O que houve, de acordo com ela, foi a continuidade de um trabalho com o qual já possuía “afinidade” por acompanhar de perto a gestão. A troca, na sua opinião, não afetou a pasta, tampouco os serviços oferecidos por ele. Fato é que, de uma maneira ou de outra, a prefeitura acumula reclamações nessa área, mas a atual gestora pretende ampliar os serviços de saúde no município.

“A visão que eu tenho é a mesma da gestora anterior, de, cada vez mais, tentar ampliar os serviços. Já estava inserida no contexto”, defendeu-se.

Para a sua gestão, inclusive, garante que nos próximos meses fará o anúncio da construção de mais quatro Unidades Básicas de Saúde (UBS). Todas serão erguidas com verbas do Ministério da Saúde.

“Além disso, vamos construir duas unidades de saúde que irão funcionar em horário especial, atendendo o programa Saúde na Hora”, completou.

Irregularidade

Maria Clara Fernandes Pitanga Silva, ex-secretária de saúde de Nazaré entrou na mira no Ministério Público da Bahia (MP-BA) no dia 7 de agosto deste ano, ao ser denunciada por estar ocupando dois cargos públicos, o que configura, à luz da legislação, improbidade administrativa.

O inquérito civil foi aberto pela 1° Promotoria de Justiça da Comarca de Nazaré para apurar o suposto acúmulo ilegal.

Atualmente, ela ainda possui vínculo com a prefeitura, mas, de acordo com Samantha, apenas cumpre a função de consultora na área da saúde, dando orientações à secretaria.

O Art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina que não é permitida a acumulação de cargos ou empregos públicos remunerados. As exceções ocorrem quando ocupa-se dois cargos de professores; um cargo de professor com outro técnico ou científico; ou dois cargos privativos de profissionais da saúde, com profissões regulamentadas.

A assessoria de comunicação do Ministério Público da Bahia (MP-BA) confirmou que o processo foi movido e que, atualmente, ele está caminhando para a fase de conclusão.

A pena para quem pratica a improbidade administrativa varia de acordo com cada caso, indo desde a perda dos dois postos até o pagamento de multa, caso seja comprovado o enriquecimento ilícito. Para os acusados é dado um prazo para que se possa escolher entre os dois empregos.

O servidor pode se defender das suspeitas comprovando que a nomeação de um cargo não ausentou suas responsabilidades em outro, e vice-versa. Nesses casos, é levada em consideração a distância entre os empregos — Santo Antônio de Jesus fica a cerca de 40 minutos de Nazaré.

Prefeita

Sobre a prefeita do município também recaem duas acusações. No dia 13 de março de 2017, a 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Nazaré instaurou um inquérito civil contra Eunice Barreto sob suspeita de prática de contratação irregular de servidores. No dia 4 de abril de 2017, um novo inquérito foi aberto pela 1ª Promotoria. Dessa vez, com a acusação de nepotismo. O primeiro foi arquivado. (A TARDE)

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