“Vai ter mulher preta no Tribunal de Justiça”, foi um dos gritos que se ouviu quando a presidente da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), Daniela Borges, declarou aprovada por unanimidade a resolução que garante a paridade de gênero e cotas raciais na formação da lista sêxtupla para o quinto constitucional da advocacia. A frase que reverbou no pleno da Ordem foi dita pela presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial, Camila Carneiro.
O Conselho Pleno aprovou na manhã desta sexta-feira (15) uma resolução que se torna um marco nos 90 anos na história da instituição por garantir a equidade de gênero e racial na formação da lista sêxtupla para vaga de desembargador pelo quinto constitucional.
A resolução foi relatada pela conselheira Thais Bandeira para permitir que mulheres e pessoas pretas e pardas possam ter mais chances de ocupar uma vaga no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Historicamente, a vaga pelo quinto constitucional da advocacia é preenchida por homens, e, em sua maioria, brancos.
A disputa por uma cadeira no TJ-BA já foi iniciada, com movimentação de candidatos a ocupar o posto. Já se tem como candidatos favoritos o atual desembargador Eleitoral, Batista Júnior, apoiado pela chapa da oposição que disputou a eleição da Ordem no ano passado. Também se fala no nome do ex-conselheiro federal Adonias Bastos, apoiado pela chapa da situação. Outro nome que especula-se candidatura é do ex-desembargador Eleitoral, Henrique Trindade. Por muitos anos, a vaga no TRE foi utilizada como trampolim para acesso ao TJ-BA.
A relatora afirmou que mulheres e pessoas pretas e pardas, historicamente, têm menos direitos e oportunidades, em espaços de representação. “Portanto, é dever da OAB e nesse caso do Conselho Pleno atuar fazendo o uso de ações afirmativas de forma garantir essa almejada participação política igualitária entre os seus distritos”, declarou Thaís Bandeira.
A formação da lista sêxtupla na Bahia é feita por votação direta da classe. O texto aprovado prevê que a lista atenderá a paridade de gênero e a participação de 30% de advogados e advogadas negros, negras ou definições análogas de héteroidentificação, como descrito no Estatuto da Igualdade Racial. Se o resultado não apresentar os preceitos fixados, o presidente da comissão especial temporária apresentará para a homologação do Conselho Pleno uma proposta de lista sêxtupla desconsiderando parcialmente a ordem de votação, na medida necessária, a função de candidatos mais bem votados por gênero e a garantia de escolha de ao menos dois candidatos candidatas negros ou negras.
A aprovação da proposta foi procedida de declarações emocionadas de advogados e advogadas negros e negras, como da secretária-geral Esmeralda Maria de Oliveira. Foi com lágrimas que ela declarou estar muito orgulhosa da instituição e da classe. “Cada vez mais vejo nossos avanços e nosso protagonismo”. Como mulher negra, ela conta que sente na pele o que é ser invisibilizada, mesmo ocupando um alto cargo na mesa diretora da Ordem. “Muitas vezes, eu estou aqui e sou invisibilizada”. “Nós só conseguimos isso porquê nos organizamos, respeitamos a divergência e fomos leais com a nossa luta, com o que nós defendemos”, declarou. A secretária já foi candidata a uma vaga do quinto constitucional, figurando entre as seis mais votadas na lista sêxtupla.
A advogada Dandara Pinho, a primeira a se pronunciar, destacou que a medida leva em consideração todo o contexto do racismo estrutural no país e que é uma reparação para as pessoas negras, garantido que estejam em igualdade material para disputar uma vaga no TJ-BA. A conselheira chama atenção ainda para que seja inserida na resolução, a comissão de Heteroidentificação, conforme preceitua a portaria número 4 de 2018 para que a política afirmativa implementada pela Seccional, tenha o seu objetivo alcançado.
A conselheira federal Silvia Cerqueira afirmou que “basta olharmos para as galerias, nós não nos vemos representados ali” e fica feliz em constatar que, nesse momento, sob a presidência de duas mulheres – Daniela Borges e Chris Gurgel – essa pauta está sendo implementada através desta resolução.
O conselheiro Luis Vinicius declarou que a proposta foi aprovada em uma semana muito dura para a população brasileira, com tantas notícias ruins de violência, de forma a se concluir que “até hoje não conseguimos terminar o processo de abolição nesse país”. Para ele, o tema também precisa ser aprofundado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para garantir tal medida também na redução da lista sêxtupla para lista tríplice a ser encaminhada para os governadores. Também defendeu que o Conselho Federal da Ordem se debruce sobre o tema.
A presidente Daniela Borges, no final da votação, afirmou que a OAB está construindo “novos ventos de representatividade e podendo ampliar a OAB como vanguarda, como farol nessa história”.
por Cláudia Cardozo / BN