Vendas da Shein se aproximam das grandes redes, e varejo brasileiro reage

O fenômeno Shein no Brasil tem gerado sombra sobre alguns dos maiores varejistas têxteis locais. No ano passado, segundo estimativas do banco de investimentos BTG Pactual, a Shein faturou nada menos que R$ 7 bilhões –um salto de 250% sobre os R$ 2 bilhões registrados em 2021, de acordo com o BTG. Já as varejistas locais, embora tenham apresentado em 2022 crescimento da receita líquida (vendas menos impostos, descontos e devoluções), tiveram avanços tímidos frente à Shein, entre 10% e 25%.

O faturamento da varejista online asiática, reconhecida pelos preços baixos de fast fashion (moda rápida), com 2.000 novos produtos lançados por dia, está perto dos ganhos de grandes redes tradicionais no Brasil, como Riachuelo e C&A, que em 2022 somaram R$ 8,4 bilhões e R$ 6,2 bilhões, respectivamente, em receita líquida.

Fundada em 2008 na China, e hoje com sede em Singapura, a Shein não revela faturamento global ou local. Mas o BTG também estima que as suas vendas totais no ano passado tenham batido os US$ 30 bilhões (R$ 147 bilhões), o que a coloca em pé de igualdade com a Zara, criada em 1975, cuja controladora, a espanhola Inditex, faturou 32,6 bilhões de euros (R$ 171 bilhões) no último ano fiscal, encerrado em março.

O crescimento vertiginoso da varejista online chinesa, conquistado especialmente durante a pandemia, faz grandes redes do varejo têxtil nacional se mexerem. Tanto a brasileira Renner quanto a anglo-holandesa C&A têm investido cada vez mais em controles operacionais com o uso de inteligência artificial, a fim de chegar mais perto possível do modelo da Shein, baseado em uma produção sob demanda, com estoque perto de zero.

Nos últimos três anos, entre 2020 e 2022, só a C&A investiu R$ 601 milhões em tecnologia.

“Nossa proposta é ser uma fashiontec, uma empresa de moda abastecida por tecnologia”, disse Francislei Donatti, vice-presidente comercial da C&A Brasil. “O uso de inteligência artificial faz parte deste processo”.

A varejista acaba de contratar a multinacional americana de tecnologia e inteligência artificial Palantir, com a qual desenvolveu o Fluxo Integrado de Gestão: um sistema que fornece recomendações de compra automatizadas. O software diz exatamente quando e quanto comprar de cada produto para que não sobre estoque em loja –um indicativo de dinheiro parado.

“O objetivo é que fique sempre um nível de estoque ideal para o portfólio das peças mais vendidas”, diz Donatti. O sistema também gera o pedido de compra automaticamente, de acordo com a demanda. Segundo ele, desde a adoção da IA nas lojas da rede, o índice de consumidores que encontram o que procuram nas lojas passou de 80% para 90%. “Nossa meta é 95%.”

A produção sob demanda é, por sinal, um dos trunfos da Shein. “Os varejistas brasileiros compram estoque com um ano de antecipação, estoque suficiente para quatro ou seis meses. Não têm o produto correto no lugar correto sempre”, diz Marcelo Claure, presidente da Shein para o Brasil e a América Latina. “O modelo da Shein é on demand. Nós só fabricamos o que o consumidor quer.”

No modelo da Shein, são realizados testes com 100 a 200 peças no aplicativo. Uma vez que a demanda se confirma, a produção é escalada, tudo em tempo real.

“Usamos inteligência artificial para determinar dois fatores muito importantes: o que vamos fabricar e qual o produto cada consumidor quer. Se você abre o aplicativo da Shein e eu abro o meu, a Shein vai mostrar produtos diferentes para mim e para você”, afirma Claure. “É algo completamente diferente do varejista tradicional, que monta estandes, sem saber o que o consumidor quer”, diz ele, que conta com mil designers terceirizados trabalhando ao redor do mundo.

Na opinião de Luiz Guanais, analista de consumo e varejo do BTG Pactual, as varejistas locais já têm feito a lição de casa para enfrentar a Shein.

“Durante a pandemia, as grandes redes brasileiras –Renner, Riachuelo e Marisa– e a C&A procuraram investir em tecnologia para alavancar as vendas digitais, que até então eram pouco significativas”, diz ele. “Mas agora o foco é usar a tecnologia para ser mais ágil e diminuir custos com estoque, garantindo mais assertividade no planejamento e na distribuição das coleções.”

Com esse objetivo, a C&A investiu no sistema “push-pull”, que consiste no abastecimento da loja com os modelos, tamanhos e cores que aquele ponto de venda precisa. Algo complexo, quando se trata de 331 lojas em diferentes regiões do país, cada uma com 80 mil itens à venda.

“Antes, a gente enviava um pacote com tamanhos P, M e G. Agora, a distribuição precisa ser muito mais assertiva”, diz Donatti.

Se existe uma demanda maior por determinado modelo de calça jeans tamanho M em uma loja da zona oeste de São Paulo, por exemplo, esse modelo não pode faltar na arara daquele ponto.

“Uma das coisas mais frustrantes é ouvir de uma cliente: ‘Adorei, mas não tem o meu tamanho’”, afirma o executivo. “Melhorar o nível de disponibilidade do produto é essencial até para diminuir os preços de entrada de uma coleção”, diz.

Isso porque o preço das promoções –produtos que sobram em determinados tamanhos– está embutido no preço final das roupas. “Se eu sou mais assertivo na venda, o preço de entrada cai.”

Fabio Faccio, presidente da Renner, concorda. “Estamos empenhados em produzir exatamente o que os clientes querem. Quando eu ganho eficiência, a equação de valor melhora para o consumidor”, afirma.

Como exemplo, o executivo cita um modelo de calça jeans básica, vendida a R$ 99 em 2019, antes da pandemia. “Com a inflação, o preço subiu para R$ 139 no ano passado. Mas neste ano, no Dia das Mães, pudemos voltar a oferecer o produto ao preço de R$ 99.”

Os investimentos em tecnologia da varejista não são abertos, estão dentro dos cerca de R$ 1 bilhão aplicados em 2022. Mas já apresentam retorno.

“Conseguimos diminuir em 87% a ruptura de estoque”, diz Faccio, referindo-se ao jargão usado pelo varejo para as ocasiões em que o consumidor não encontra o produto que precisa na loja. Cada peça de roupa, tanto na Renner quanto na C&A, tem uma etiqueta com identificação por radiofrequência (RFID), o que permite localizar o item dentro da loja, na rede de lojas ou nos centros de distribuição. É o que garante o controle dos estoques em tempo real —algo que, no passado, era feito só uma vez por ano.

No terceiro trimestre, a Renner inaugura o centro de distribuição de Cabreúva (SP), com tecnologia de ponta: são 312 robôs atuando no processo de separação dos pedidos tanto de lojas quanto de clientes.

A expectativa da varejista é que o atual tempo de abastecimento das lojas, hoje de até nove dias, seja de no máximo três até o ano que vem. No comércio eletrônico, 48% das entregas da Renner são feitas em até dois dias, índice que deve chegar até 80% em 2025, segundo a empresa.

Na C&A, a robotização dentro dos centros de distribuição também aumentou a velocidade para montagem dos pedidos: de duas horas para cinco minutos. O comércio eletrônico garante entrega em dois dias, sendo que 50% dos pedidos partem em até duas horas.

Na opinião do professor de MBA da FGV (Fundação Getulio Vargas), Roberto Kanter, o preço mais baixo praticado pela Shein em relação aos demais varejistas brasileiros está longe de ser a única resposta para o sucesso arrebatador da empresa no país.

“A cliente da Shein percebe que houve uma curadoria no design dos produtos”, diz. “Tem a novidade, a roupa te surpreende, e a Shein também estimula a ideia de as clientes serem influenciadoras. Quanto mais fotos que ela posta, mais pontos ela ganha. Isso cria não só fidelidade, mas um sentimento de comunidade, de participar de um mesmo grupo.”

O presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), Ricardo Steinbruch, afirma que ninguém no Brasil é “contra a Shein”. “Os varejistas só querem isonomia tributária”, diz o executivo, que também é presidente conselho de administração da Vicunha Têxtil, a respeito da celeuma envolvendo a cobrança de impostos da varejista asiática.

O governo federal chegou a sinalizar com a taxação, mas voltou atrás, e na sequência a Shein anunciou o começo da produção nacional, com 2.000 confecções terceirizadas que atuarão sob demanda.

“Todos também querem aprender e se modernizar”, afirma Steinbruch.(Política Livre)

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