Governadores do Nordeste defendem conciliação com Bolsonaro

Durante a campanha pela Presidência da República, Bolsonaro posou com um chapéu típico do Nordeste: hoje, a região é a que registra o maior índice de reprovação a ele Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo

Passada a indignação imediata pela declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre retaliar governos do Nordeste desalinhados politicamente a ele, governadores da região começam a sinalizar que não estão dispostos a entrar agora numa briga de força com o presidente da República. Eles desembarcam nesta segunda-feira em Salvador para mais uma reunião do Consórcio Nordeste, grupo formado pelos nove governadores nordestinos, para discutir ações conjuntas para o desenvolvimento regional.

Embora não tenha sido convocado para tratar da polêmica envolvendo Bolsonaro e os nordestinos, o encontro será o primeiro em que todos os governadores estarão juntos após o episódio. 

Nos últimos dias, ÉPOCA conversou com quatro deles sobre as expectativas para o encontro e a disposição em deflagrar um embate político com Bolsonaro. O discurso majoritário foi de que é hora de desarmar os ânimos e buscar uma relação republicana com o presidente.

COMENTÁRIO INDISCRETO

Sem saber que estava sendo gravado, o presidente teve divulgada no último dia 19 uma conversa reservada com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em que defendeu tratamento diferente por parte do governo federal ao governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B) por questões políticas. 

“Daqueles governadores de ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada para esse cara”, disse o presidente na ocasião.

Cerca de 56 milhões de brasileiros vivem no Nordeste. Pela primeira vez, a região não tem nenhum ministro no Planalto. Com a economia andando de lado, a participação do governo federal torna-se ainda mais necessária para os estados. Os maiores projetos estratégicos para o desenvolvimento regional, a transposição do rio São Francisco e a Transnordestina, dependem de verba federal para sua conclusão.

Dos nove governadores do Nordeste, sete são de partidos de esquerda (PT, PC do B e PSB), que se colocam como oposição a Bolsonaro. No mesmo dia em que se tornou pública a fala do presidente, todos os governadores emitiram uma carta conjunta de repúdio, manifestando indignação e cobrando explicações do governo. Com o avanço da semana, entretanto, posicionamentos individuais adotaram tom mais moderado, incluindo o de Flávio Dino.

“Já nos manifestamos publicamente, exigindo o necessário respeito com o povo do Nordeste. Agora a nossa principal reação será a aprovação do Plano de Trabalho do Consórcio Nordeste”, disse o governador do Maranhão. “Ou seja, enquanto o presidente da República se ocupa com agressões reiteradas, nós estamos preocupados com trabalho em favor da população. Esse é o contraste que vai ficando cada vez mais claro.”

Depois de passar a quinta-feira passada em Brasília em reunião com ministros, Wellington Dias (PT), do Piauí, seguiu a mesma linha: 

“Da nossa parte a vida prossegue. Vamos focar naquilo que é o propósito e necessidade do povo da região”.  

Rui Costa (PT), da Bahia, que cancelou uma agenda com Bolsonaro na semana passada no estado, defendeu o fim do clima de enfrentamento.

“Tenho defendido a união do Brasil para encontrar soluções que tirem o país da crise, gerando emprego e renda para o povo. Defendo o fim do clima de beligerância na política”, afirmou.

Um dos governadores da região que não se declaram de oposição, Belivaldo Chagas (PSD), de Sergipe, avaliou que o Consórcio Nordeste não é espaço para discussões de natureza política. 

“Já tive reunião com o presidente da República para debater os interesses de Sergipe e do Brasil. Terei quantos encontros forem necessários. Defendo a paz, a tranquilidade e a busca incansável pelo ambiente adequado para o crescimento da região e do País”, disse. 

Por fim, Paulo Câmara (PSB), de Pernambuco, foi ainda mais enfático.

“Não é tempo de procurar briga, é tempo de encontrar soluções, respeitando o compromisso que assumimos e, principalmente, respeitando as pessoas”, escreveu.

Os demais governadores foram procurados, mas não se pronunciaram. 

FRENTE CONTRA O BOLSONARISMO

Em entrevista ao colunista Bernardo Mello Franco, de O Globo , publicada na segunda-feira, Dino defendeu a formação de uma “frente ampla contra o bolsonarismo” no Nordeste como preparação para as eleições municipais. À reportagem, o governador acrescentou que o papel dela seria “proteger a Constituição e a democracia contra arroubos autoritários e ilegalidades” e que deveria partir das bancadas de oposição no Congresso Nacional.

“Mesmo que com pequenas dissidências, fomos decisivos para impedir alguns dos graves retrocessos sociais contidos na proposta de reforma da Previdência. Acho que essa atuação dos deputados federais e senadores da oposição é uma boa referência quanto ao que devemos fazer permanentemente. Resistir, apresentar propostas e dialogar com todos, especialmente com políticos mais ao centro”, afirmou ele.

Os governadores consultados por ÉPOCA não quiseram se manifestar sobre a proposta. 

No Congresso, a Frente Parlamentar em Defesa do Nordeste ingressou na sexta-feira com uma representação contra Bolsonaro à Procuradoria Geral da República pelo crime de racismo.

“Não se trata de um fato isolado. O presidente tem tido uma conduta contumaz e discriminatória com o Nordeste”, disse o presidente da frente parlamentar, deputado Danilo Cabral (PSB-PE).

O parlamentar avalia que os governadores não devem assumir a dianteira de uma ofensiva contra Bolsonaro. Para ele, a reação inicial se justificou pela gravidade da declaração e em solidariedade a Dino. Da reunião que o grupo fará nesta segunda-feira em Salvador, o deputado acredita que sairá um “apelo ao estabelecimento de um ambiente de diálogo institucional”.

Eleitoralmente, o Nordeste deu apenas 30% de seus votos ao presidente eleito. É também onde Bolsonaro tem sua menor avaliação, conforme pesquisa Ibope/CNI divulgada em junho. 

“Tem que parar com essa ideia de que o Nordeste é um problema. Nós somos parte da solução”, defendeu Cabral. (Época)


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