As emendas de relator foram usadas como moeda de troca em negociações políticas entre o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) e o Congresso
Aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e parlamentares do centrão avaliam que discussões sobre mudanças nas regras de distribuição das emendas de relator no Congresso devem ser adiadas para 2023.
Petistas e congressistas ligados ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dizem reservadamente que tentar tratar do tema ainda neste ano contamina as prioridades dos dois lados para os próximos meses: o governo eleito trabalha para aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que permita despesas sociais fora do teto de gastos; e Lira tem consolidado sua base de apoio para ser reeleito presidente da Câmara em fevereiro.
As emendas de relator foram usadas como moeda de troca em negociações políticas entre o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) e o Congresso. O mecanismo —controlado pelas cúpulas da Câmara e do Senado— é hoje o principal trunfo político de Lira para manter sua grande influência sobre deputados.
Justamente por isso, um cenário em que a revisão das regras das emendas de relator fique para o ano que vem representa uma vitória para Lira. Lula e o PT chegaram a defender durante a campanha o fim dessas emendas, mas após a eleição cresceu no partido a avaliação de que é inviável tentar eliminá-las no momento.
Há no Orçamento de 2023 cerca de R$ 19 bilhões em emendas de relator.
Aliados próximos de Lula e integrantes do Congresso dizem que será inevitável rediscutir o uso dessas emendas no futuro. Se será impossível acabar com elas, os dois lados aceitam discutir um modelo pelo qual o Executivo tenha mais autonomia para definir como os recursos serão aplicados.
Atualmente, o relator do Orçamento dá a parlamentares a possibilidade de eles empenharem as emendas em obras de interesse próprio, que não necessariamente são prioritárias para o governo.
O PT está no momento empenhado em viabilizar a PEC da Transição, que abre espaço no Orçamento para Lula cumprir promessas de campanha, como a manutenção do valor de R$ 600 do Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família).
Diante disso, a ordem entre os articuladores da PEC é evitar conversas sobre mudanças nas regras das emendas de relator. O PT não quer comprar essa briga com o centrão agora e contaminar a negociação para aprovação da medida que autoriza Lula a gastar mais.
Além disso, a coordenação política da equipe de transição tenta costurar apoio de partidos para que Lula inicie o governo já com uma base mais ampla no Congresso. Essa negociação está travada porque o presidente eleito ainda não sinalizou como irá dividir os cargos na Esplanada entre os partidos de esquerda e possíveis neoaliados de centro.
A cobrança nesse sentido tem sido feita por membros do MDB, PSD e também da União Brasil —as três legendas têm parlamentares beneficiados por emendas.
A queda de braço sobre o futuro das emendas de relator contrapõe Lula ao centrão desde antes da eleição. Quando, ainda durante a campanha, o PT demonstrava posição de enfrentamento à continuidade dessas emendas, o centrão chegou a articular uma nova regra que obrigaria o novo presidente a executar todos os recursos provenientes desse mecanismo.
Isso engessaria Lula. A ideia não prosperou, embora ainda existam membros do Congresso que defendem essa medida.
Como mostrou a Folha, após o resultado da eleição membros do PT passaram a admitir a continuidade das emendas de relator no Orçamento. Mas eles defendem um acordo com o centrão para alterar ao menos parte da distribuição e do pagamento das verbas.
Uma das ideias em análise é o remanejamento do dinheiro entre obras e projetos de interesse de parlamentares e também do governo eleito. Um dos argumentos usados por aliados de Lula é que há programas nas áreas de habitação e saúde, por exemplo, que realizam obras importantes que podem atender a demandas das bases eleitorais dos parlamentares.
Lula já declarou que as emendas de relator eram a “maior bandidagem” feita em 200 anos Independência e que o Parlamento nunca “esteve tão deformado como está agora”.
Lula também disse no passado que há um excesso de poder nas mãos Lira.
Após o resultado das urnas, Lira e Lula trocaram acenos. Os dois já se encontraram durante a transição. E a bancada do PT na Câmara já sinalizou que não será obstáculo para a recondução de Lira para o comando da Casa —podendo inclusive apoiá-lo.
Em relação ao STF (Supremo Tribunal Federal), onde há uma ação que questiona as emendas de relator, também houve uma mudança de cenário.
Como mostrou a Folha, aliados de Lula e integrantes de partidos não alinhados ao petista dizem haver uma avaliação consensual no meio político de que o STF deveria postergar o julgamento da ação contra as emendas de relator enquanto o novo governo e o Congresso tentam buscar uma saída política para o tema.
A expectativa inicial era que o STF analisasse o caso em novembro.
O Supremo entrará em dezembro sem previsão de julgar esse processo, que é relatado pela presidente da corte, Rosa Weber. A ministra não pautou o tema para a sessão que acontecerá no dia 1º de dezembro.
Depois dessa data, a pauta ainda está indefinida, mas o tribunal terá apenas mais quatro sessões de julgamento antes do início do recesso do Judiciário, em 20 de dezembro.
Porém, apesar do prazo curto, uma parte dos ministros do STF afirma acreditar que o tema será colocado por Rosa Weber para avaliação do plenário ainda neste ano, nas últimas semanas de sessões. (Politica Livra)