Sem ações para minimizar o déficit de aprendizagem ou retornar ao ensino híbrido, estudantes do 3º ano do ensino médio deverão concluir esta etapa de ensino em 2021 sabendo 20% do esperado em português. Em matemática, poderão regredir.
Os dados são da pesquisa “Perda de Aprendizagem na Pandemia”, do Núcleo de Ciência Pela Gestão Educacional do Insper e Instituto Unibanco, divulgada nesta terça-feira (1°).
A perda de aprendizagem acumulada devido à pandemia já é estimada em 74% para quem está nesta etapa de ensino, tanto em português quanto em matemática. Em casos onde há engajamento maior dos alunos, a perda pode ser reduzida para 28% e 27%, respectivamente.
Os números foram calculados de acordo com a escala do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) (leia mais sobre metodologia abaixo). Em geral, alunos entram no ensino médio com uma pontuação de 252 e saem com 275 em português, um ganho pouco acima de 20 pontos ao longo do ciclo. Em matemática, o ganho médio é de 15 pontos.
“O importante de se observar é que, em média, um aluno aprende 20 pontos em três anos do ensino médio. Então, se perder 10, ele vai perder metade do que aprendeu. O que estamos falando é que, infelizmente, e intuitivamente é muito óbvio, se você fecha a escola, você não pode esperar que o impacto será pequeno. É uma perda gigante”, afirma Ricardo Paes de Barros, pós-doutor em economia pela Universidade de Chicago e Yale, e pesquisador do Insper.
No ensino remoto, a pesquisa considerou que os estudantes aprendem cerca de 17% do que deveriam em matemática, se comparado às aulas presenciais. Em português, a aprendizagem é de 38%.
As projeções indicam perdas de 16 a 11 pontos em português e de 20 a 12 em matemática. Como é esperado que os estudantes avancem 15 pontos nesta disciplina, no pior cenário, poderá haver regressão de aprendizagem.
Os alunos que estão no terceiro ano do ensino médio enfrentam um período crítico durante a pandemia. Eles correm o risco de passar mais da metade do ciclo, de três anos, tendo aulas a distância. Em 2020, fizeram o segundo ano com aulas remotas. Em 2021, o esperado é que retornem ao ensino híbrido no último ano do ciclo, para minimizar as perdas.
“Há uma urgência urgentíssima para os estudantes que ainda estão no ensino médio”, afirma Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco. “Mas o que este trauma abre é a possibilidade de sermos mais engenhosos e criativos. Precisamos inventar caminhos para recuperar esta aprendizagem. Ter olhar atento para ver qual estado está fazendo uma inovação fantástica e, a partir daí, exportar rapidamente estas técnicas para outros lugares”, aposta.
Os dados da pesquisa apontam que:
Alunos que começaram o 3° ano do ensino médio em 2021 estão com cerca de 10 pontos a menos na proficiência em português e matemática, comparado ao que poderiam atingir se não tivesse o ensino remoto;
Caso o ensino remoto seja mantido, o cenário poderá ser pior. A pesquisa estima um aumento de 16 pontos a menos na proficiência em língua portuguesa e 20 pontos a menos em matemática;
Se houver maior engajamento e adoção de ensino híbrido no 2º semestre, com recuperação do aprendizado, as perdas poderiam ser reduzidas de 35% a 40%, ficando em 11 pontos em português e 12 em matemática.
Menor aprendizagem, menor renda
As consequências para esta perda de aprendizagem vão impactar na vida futura destes jovens. A pesquisa indica que um ponto a menos em proficiência reduz o salário em 0,5%. Se o estimado é que tenham renda média de R$ 430 mil ao longo da vida (estimativa para quem tem formação em ensino médio), estes jovens deixariam de ganhar R$ 20 mil.
Os dados indicam que:
Um ponto a menos de proficiência reduz a remuneração do trabalho em 0,5%.
Caso a perda de aprendizagem se mantenha, cada estudante que se formar no ensino médio em 2021 terá uma perda de renda ao longo da vida de R$ 20 a R$ 40 mil
Se houver uma perda de 10 pontos, haverá R$ 21 mil a menos nos bolsos deste jovem ao longo da vida.
Perda de renda para alunos do ensino médio e fundamental soma mais de R$ 700 bilhões, podendo chegar a R$ 1,5 trilhão
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Ações para minimizar perdas
O estudo afirma que é possível reduzir as perdas de aprendizagem em 35% a 40%, caso algumas ações sejam adotadas.
A pesquisa sugere dobrar o engajamento dos estudantes, adotar o ensino híbrido ao longo de todo o 2º semestre de 2021, adaptar currículos e acelerar o aprendizado.
“Se não houver já ações nas escolas, é possível que a gente fique uma década se arrastando”, afirma Henriques.
Ele destaca ainda outro problema agravado pela pandemia: a evasão escolar, ou seja, casos de alunos que desistem de estudar.
Para enfrentar este cenário, Henriques reforça a necessidade de as redes fazerem uma busca ativa por estes alunos, para trazê-los de volta às aulas.
“É preciso ter uma visão intersetorial, interdisciplinar. Para trazer estes alunos de volta e dar bolsa de estudos para eles, criar incentivos para ficarem. Outra ideia é aperfeiçoar a proposta do 4º ano do ensino médio, mas com estímulos para que os alunos queiram permanecer mais um ano estudando”, sugere.
Como foram feitos os cálculos
Com a escala Saeb, os pesquisadores projetaram cenários em que a educação pode ter de ocorrer com ensino remoto com engajamento parcial; ensino remoto com engajamento maior; ensino híbrido e híbrido com recuperação.
Para os alunos engajados, os autores consideraram a média de aprendizagem capturada durante o ensino remoto em comparação com o presencial. Considerando estudos de autores como Zimmer (2009), Woodworth (2015), Ahn e McEachin (2017) e Fitzpatrick (2020) chegaram à conclusão de que em matemática, os estudantes aprendem 17% do esperado com o ensino remoto. Em português, 38%.
Para estudantes que não participam das aulas, estimaram a perda de proficiência com base no conceito de absenteísmo proposto por Liu, Lee e Gershenson (2021) que diz que o aluno não só deixa de aprender quando falta à aula quanto esquece um pouco do que foi dado na lição anterior. Assim, cada dia de falta representa a perda de 1,55 dia de aula.
O Saeb é uma prova que ocorre a cada dois anos para avaliar o nível de conhecimento de alunos das redes pública e privada do 2º, 5º e 9º anos do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio. (G1)