Por maioria dos votos, o Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA) promoveu a juíza Marúcia Belov, pelo critério de antiguidade, para atuar na 2ª Vara do Trabalho de Teixeira de Freitas, no extremo-sul do estado. A juíza foi denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF) na Operação Injusta Causa, que investiga um esquema de compra e venda de sentenças na Justiça do Trabalho da Bahia, além de tráfico de influências.
O Pleno do TRT analisou na última segunda-feira (28) a proposta de recusa de promoção da magistrada feita pelo corregedor do Regional, desembargador Alcino Felizola. Na sessão plenária ocorrida no dia 21 de maio, o desembargador propôs a recusa da promoção da magistrada por ser alvo de uma investigação do MPF e responder a um processo administrativo disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O TRT havia intimado a juíza para apresentar sua defesa no prazo de 15 dias na ocasião, diante da retirada de pauta do processo de promoção.
Entretanto, a juíza, além de não apresentar sua defesa sobre os argumentos elencados pelo corregedor, ajuizou uma ação perante a Justiça Federal para anular a referida sessão plenária do TRT. O juiz Durval Carneiro Neto, da 7ª Vara Federal de Salvador, atendeu ao pedido da magistrada para anular a sessão, determinando que uma nova fosse realizada no período de 30 dias para votação da promoção, que ocorreu nesta semana. Atualmente, Marúcia atua como juíza auxiliar na 32ª Vara do Trabalho de Salvador.
Votaram pela recusa da promoção os seguintes desembargadores: Alcino Felizola (corregedor), Dalila Andrade (presidente do TRT-BA), Jéferson Muricy (vice-presidente do TRT-BA), Luíza Lomba, Valtércio de Oliveira, Yara Trindade, Esequias de Oliveira, Débora Machado, Edilton Meireles, Léa Nunes, Marcos Gurgel, Suzana Inácio, Ana Paola Machado Diniz e Rubem Dias do Nascimento Junior, que votavam pela recusa da promoção da magistrada. Na sessão, manifestaram voto pela promoção os desembargadores Paulino Couto, Ana Lúcia Bezerra, Vânia Chaves, Tadeu Vieira, Ivana Magaldi, Marizete Menezes, Norberto Frerichs e Pires Ribeiro. O TRT é composto por 29 desembargadores, sete estavam ausentes na sessão.
Na sessão, o corregedor relatou os fatos pelos quais acreditava que Marúcia Belov não deveria ser promovida neste momento. Alcino Felizola lembrou que, em 2016, a desembargadora Dalila Andrade oficiou à Corregedoria Nacional, com pedido de providências contra a juíza Marúcia, diante de irregularidades cometidas nos processos objetos de investigação na Injusta Causa, ligados a uma faculdade de Salvador. Segundo o relato, a juíza teria atuado irregularmente em uma conciliação global da faculdade com credores, usurpando a competência que seria da Central de Execução, ter atuado em nome da Presidência do TRT sem outorga de poder, atuar em processo judicial em procedimento inexistente para favorecer a universidade, e não haver tramitação formal de peças processuais. Outras irregularidades narradas foram de realizar audiência de conciliação sem pedido das partes, homologar acordo sem concordância dos credores e determinar aportes já pagos pela faculdade em contas judiciais.
Logo após a deflagração da Operação Injusta Causa, o CNJ abriu um processo administrativo disciplinar contra os investigados e determinou o afastamento da magistrada. Ela recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), através de um mandado de segurança, para retornar às atividades no TRT. O STF acatou o pedido e determinou o retorno. A juíza também responde a uma ação por improbidade administrativa na Justiça Federal da Bahia, por uma ação movida pelo MPF. O juízo da 10ª Vara Federal de Salvador determinou o afastamento da magistrada por 180 dias. A juíza recorreu da decisão através de um agravo de instrumento analisado pelo juiz Pablo Zuniga Dourado, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que suspendeu o afastamento. Ela retornou ao TRT no início de março deste ano.
O corregedor relatou que em agosto de 2020, o MPF denunciou a juíza no âmbito da Operação Injusta Causa, pelo crime de corrupção passiva, se valendo do cargo para favorecer o advogado Luiz Humberto Agle Filho (veja aqui). Também teria tentado convencer outra juíza para liberar dinheiro de um reclamante em um processo trabalhista, a pretexto de querer ajudar um amigo. Alcino afirmou que o desvio de conduta de Marúcia não é novidade, pois ela já tem pena de advertência aplicada pela Corregedoria local por irregularidades. “A existência dos processos, aliada a gravidade dos fatos narrados, e a insubordinação de ordens superiores e atuar em processos que sabidamente não eram de sua competência autorizam sua recusa à promoção”, afirmou o corregedor do TRT da Bahia. Para Felizola, a promoção, “ainda que por antiguidade, exige uma conduta ilibada, diversa da conduta apresentada pela magistrada”.
O vice-presidente do TRT, desembargador Jéferson Muricy relembrou que atuou com a juíza enquanto era coordenador do Juízo de Conciliação do 2º Grau. Ele declarou que em todo tempo advertiu a juíza sobre as irregularidades, sobre seus atos, mas mesmo assim, manteve todos. Além de atuar irregularmente, o comportamento de Marúcia, segundo ele conta, causou tensões entre os servidores, que pediram para sair do núcleo devido ao comportamento “explosivo” da magistrada. “Ela criou um clima muito ruim”, avaliou. “Os fatos são graves, tiveram uma repercussão gravíssima. A juíza foi resistente a todas advertências que lhe fiz”, asseverou. Para ele, a recusa não se confunde com punição, mas que neste momento, a promoção por antiguidade não é oportuna. “Os fatos reclamam conclusão, mas não houve absolvição ainda. Não é razoável a promoção dela”, ponderou.
O desembargador Valtércio de Oliveira, ex-presidente do TRT-BA e ex-conselheiro do CNJ, lembrou que, quando o caso chegou ao CNJ, ele ainda atuava no órgão. Ele se declarava impedido de atuar em todos os casos envolvendo o TRT da Bahia. Mas sempre algum membro, na hora do almoço, lhe perguntava o que achava da conduta da magistrada, porém, preferia se calar e não se manifestar. Na sessão desta segunda, o desembargador ponderou que o “fato de não ter sido condenada, não a isenta dos atos que praticou”. “Cada um colhe o que planta”, sentenciou. “Diante dos fatos mencionados aqui, eu não tenho como acompanhar a divergência. Eu sinto muito que isso esteja ocorrendo, sinto demasiadamente que estejamos debatendo esse fato, mas eles existiram”, lamentou.
A desembargadora Débora Machado, voltou a lembrar que a juíza foi denunciada pelo MPF no Superior Tribunal de Justiça por corrupção passiva, responde a uma ação na Justiça Federal e a um processo administrativo no CNJ. “Já vi em outros tribunais que houve recusa apenas com a existência de sindicância”, comparou. Para a desembargadora Ana Paola, os fatos são graves e comprometem a imagem do TRT “junto ao jurisdicionado, a advocacia, tribunais superiores e órgãos de controle”. Também acrescentou que toda a magistratura trabalhista baiana, em alguma medida, sofre com a investigação, pois são questionados pela conduta da juíza. O desembargador Rubem Nascimento Júnior, mais novo membro do TRT, lamentou a atitude de Marúcia Belov que os impediu de conhecer os seus argumentos de defesa, pois as acusações que pesam contra ela são públicas e notórias, com ampla divulgação do próprio MPF. “É constrangedor que um juiz de 1ª Instância possa anular uma sessão do Tribunal Pleno e tornar os atos ineficazes”, reclamou. Para a desembargadora Yara Trindade, é uma situação constrangedora para um “juiz que julga, ouvir apenas uma parte”, sendo uma situação extremamente difícil. “Ouvimos a versão só do corregedor, são graves, mas não foi permitido a examinar a defesa da juíza”, comentou ao votar pela recusa da promoção.
Os desembargadores que votaram pela promoção argumentaram que a juíza preenche os requisitos para ser promovida pelo critério de antiguidade e que deve prevalecer a presunção de inocência. A desembargadora Ana Lúcia Bezerra declarou que a recusa da promoção é uma “antecipação de penalidade” e que o ministro Marco Aurélio, do STF, lhe devolveu todas as prerrogativas de magistrada para atuar. A desembargadora Vânia Chaves, apesar de reconhecer que a juíza tem uma vida “pregressa bastante conturbada”, votou pela promoção pois o caso ainda está sub judice, não tendo transitado em julgado. O desembargador Tadeu Vieira afirmou que os fatos não podem ser óbice para promoção da juíza, pois “ela não tem processos em atraso, está em atividade e não tem condenação proferida”. “Se procede a denúncia, a pena será aplicada. Negar isso seria penalizá-la duplamente com um processo que não transitou em julgado”, afirmou. (BN)