O Senado pode aprovar na próxima semana uma proposta que isenta de responsabilidade prefeitos e governadores que deixaram de aplicar durante a pandemia de coronavírus o gasto mínimo em educação estabelecido na Constituição.
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) estava na pauta do Senado desta terça (17), mas foi retirada após o senador Flávio Arns (Podemos-PR) solicitar a realização de uma sessão de debates antes de a medida ser votada. O pedido foi acatado pelos parlamentares. Com isso, a matéria foi adiada e deve voltar ao plenário no próximo dia 24.
Apesar de a proposta inicial falar na desobrigação somente para 2020, há uma emenda que estende isso também para 2021. O impacto causado nas contas públicas durante a pandemia é a principal justificativa da proposta.
Municípios e estados registraram queda de gastos com educação no ano passado, enquanto a oferta de ensino remoto foi precária: a diminuição dos gastos foi de 9% nos estados e 6% nos municípios, segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica, do Movimento Todos pela Educação.
A Constituição determina que estados e municípios apliquem 25% das receitas em educação. O não cumprimento pode levar à rejeição das contas e até crime de responsabilidade.
O governo Bolsonaro já tentou, inclusive, extinguir o mínimo constitucional em educação e também em saúde.
O texto foi proposto em maio, sob liderança do senador Marcos Rogério (DEM-RO), da tropa de choque do governo na CPI da pandemia. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também assina a iniciativa, ao lado de parlamentares de partidos como MDB, Podemos, PSD e PSL.
Se passar pelo Senado, o tema ainda precisa ser apreciado pela Câmara.
Há receio entre especialistas e parlamentares contrários à medida de que a emenda abra um precedente e premie quem não se preocupou com a educação.
A queda de gastos em educação durante a pandemia só evidencia o quanto a subvinculação é importante, diz Lucas Hoogerbrugge, do Movimento Todos pela Educação.
“Ainda que entendamos o momento difícil que o país tem passado, isso não pode ser um argumento para desresponsabilizar os gestores de sua obrigação legal de utilizar os recursos de manutenção e desenvolvimento do ensino”, afirma.
“Na prática, são recursos que poderiam ter sido utilizados para apoiar o ensino remoto e adaptação das escolas para um retorno presencial seguro. Na falta desses investimentos, crianças e jovens foram negligenciados.”
Com problemas de conexão e adoção de plataformas educacionais, mais de 90% das cidades lançaram mão de materiais impressos ou orientações por WhatsApp durante o ano de 2020, em que as aulas presenciais ficaram interrompidas. Acesso à internet e problemas de infraestrutura das escolas foram apontados por gestores municipais como os maiores entraves para o retorno às aulas neste ano.
Levantamento da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), de setembro do ano passado, indicou que 12% dos municípios teriam dificuldades de cumprir o mínimo constitucional. As prestações de contas ainda não estão fechadas, mas o cenário é de aumento dessa situação com relação a 2019.
No ano anterior à pandemia, apenas 60 municípios descumpriram a Constituição. Dados colhidos pela CNM no Siope (Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação), do governo federal, mostra que, em 1º de junho, 218 municípios não haviam cumprido.
A CNM apoia a PEC. Segundo Mariza Abreu, consultora de educação da entidade, a dificuldade de municípios atenderem ao mínimo constitucional é reflexo da queda de gastos de custeio com o fechamento das escolas, com transporte escolar e demissões de professores temporários. Além disso, a legislação impediu reajustes salariais.
Por outro lado, houve aumento de gastos com alimentação escolar, no atendimento às famílias com escolas fechadas, mas essas rubricas não entram no cálculo para o mínimo constitucional.
“A CNM entende que é pertinente essa exceção apenas para os anos de 2020 e 2021, mas para o próximo é necessário planejamento”, diz.
Nota da consultoria técnica do Senado, elaborada a pedido da liderança do Cidadania, refuta a proposta e afirma, entre outros pontos, que os entes da federação contaram com auxílio federal durante a pandemia e que apenas Ceará, Santa Catarina e São Paulo tiveram insuficiência de recursos.
“A proposta não merece prosperar por representar um perigosíssimo precedente, sinalizando justamente aos agentes públicos que os mesmos não precisam se preocupar em cumprir as normas, pois mesmo aquelas de hierarquia mais elevadas, no caso um dispositivo constitucional, poderão ser excepcionalizadas em seu benefício, caracterizando um risco moral elevadíssimo, que certamente poderá levar a sociedade a uma situação de caos total”, conclui a nota.