Salvador: Mudança de sexo em Cartório cresce 207% em 5 anos após permissão

Em entrevista ao bahia.ba Carol Stella, mulher trans, revelou em que momento decidiu realizar a troca de nome, e o que mudou em sua vida após decisão

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Inclusão de nome social e a ratificação de nome e de gênero são direitos conquistados pela população trans, e entre eles, existem diferenças, por exemplo, o nome social não altera o nome registrado na certidão de nascimento da pessoa, mas permite que possa utilizar o nome pelo qual se identifica em algumas instituições e serviços, como em escolas e universidades, postos de saúde e em documentos de identificação, como no RG e na Carteira Nacional de Habilitação.   

A ratificação não possibilita a alteração dos sobrenomes, mas os agnomes, que são aqueles nomes que vêm após o sobrenome, podem ser alterados ou retirados. O Supremo Tribunal Federal permitiu que o processo de retificação pudesse ser feito através de cartórios desde 2018. 

No dia do Orgulho LGBTQA+, a equipe de reportagem do bahia.ba, conversou com a criadora de conteúdo, Carol Stella sobre o assunto. Ela revelou em que momento decidiu trocar de nome e explicou o motivo.  

“A minha decisão em trocar meu nome, foi quando eu comecei a enfrentar dificuldades pra conseguir emprego, porque eu já tinha um tempinho de transição. Com isso, meu currículo, toda a minha documentação era com o meu nome social, mas aí quando eu ia para empresa, fazia entrevista, mas na entrega dos documentos originais, havia aquela incompatibilidade das informações, aí eu precisava explicar. Já ocorreu de duas vezes eu não seguir as etapas de admissão por conta disso.  Eles falam que não, mas a gente sente quando é por conta dessas questões, e aí eu coloquei na cabeça que eu precisava fazer essa troca de nome para poder me sentir inclusa na sociedade como Carol Stella”, começou dizendo. 

“De início eu procurei a Defensoria Pública Salvador, porém o processo é que seria muito extenso, seria um processo demorado. Como eu não sou registrada aqui em Salvador, iria demorar ainda mais, porque eu sou registrada no interior da Bahia, eu nasci em Santo Amaro e fui registrada em Candeias. Eu falei assim, ‘eu vou meter a escadas eu mesma’. E aí eu fui, entrei em contato com o tabelionato de registro de lá de Candeias. Eles me passaram a relação de documentos que eu precisava pra poder fazer essa retificação de nome, fiz todo o processo, gastei um dinheiro na época muito grande. Eu tenho sete anos de retificada, de troca de nome, e aí fiz todo o processo, mas também foi um processo rápido, foi tipo, em menos de um mês, eu já estava com a certidão de nascimento retificada. A partir da certidão de nascimento eu consegui tirar minha identidade, consegui fazer minha carteira de trabalho, o CPF ele já muda automaticamente no sistema da receita federal, então foi bem tranquilo”, explicou a criadora de conteúdo. 

Carol pontuou que teve mais facilidade nos termos burocráticos envolvendo documentação, após ratificação de nome. “Após toda essa retificação de nome, toda essa emissão de documentos novos e tudo mais, eu comecei a fazer a seleção da Atento, que é a empresa hoje na qual eu trabalho, e aí eu já entrei retificada, então para mim, o processo e o e reconhecimento lá dentro, foi super tranquilo porque eu não tive de passar dessa mudança de nome, de retificação de nome dentro da empresa, em processos internos. Então para, já entrei já sendo Carol Stella, mulher no sexo feminino.” 

A criadora de conteúdo digital relembrou de uma ocasião em que foi vítima de transfobia em uma empresa e que acabou perdendo a vaga para uma mulher cis. Ela ainda explicou de que forma o ocorrido desconfortável, serviu de lição para agilizar a retificação do seu nome. 

“Eu trabalhava numa empresa que eu estava ainda num processo de experiência e quando eu entrei lá, foi no início da minha transição, então eu não tinha meu nome registrado e eu passei por uma transfobia nessa empresa. Uma transfobia velada, mas só que a gente que sabe e sente na pele o desconforto”, afirmou. 

 “Eu estava num tempo de experiência, a minha supervisora de espaço de setor, sabia de todo o meu processo, porém os superintendentes e os coordenadores, meio que não sabiam do processo interno que ocorria. E aí consequentemente houve uma reunião, depois dos meus três meses de experiência com ele e eles me trataram na forma que estava lá no registro da empresa. E aí a minha supervisora tentou contornar a situação ali no momento, mas eles falaram que não, que eu iria ser chamada da forma que estava a documentação instituída pela empresa. E aí foi algo que me deixou bastante incomodada. Eu seria contratado efetivamente na empresa, minha supervisora já estava me dizendo isso, mas por conta disso, eles não me efetivaram”, contou Carol. 

“Saí da empresa porque eu já estava passando dos três meses de experiência e quinze dias depois, uma amiga minha que hoje eu tenho contato com ela e tenho o maior orgulho de ela ter ocupado a minha a minha vaga, porque ela é uma excelente profissional na área que a gente trabalhava e a gente trabalhava juntas, e ela ocupou minha vaga”, pontuou. 

 “Então eu falo assim mesmo ‘poxa, será que por eu ser mulher trans, eu não poderia ter ocupado aquela vaga só por pelo fato de eu ser trans e ter colocado uma mulher cis no meu lugar porque era uma vaga definida para mulheres, foi uma transfobia que eu passei. Isso foi mais uma força para eu retificar a minha documentação, eu tive que passar por isso para entender que eu precisava tomar essa decisão na minha vida”, concluiu a criadora de conteúdo. 

A mudança de sexo em Salvador teve um crescimento de 207% desde a autorização nacional para que os Cartórios de Registro Civil baianos realizem mudança de nome e gênero de pessoa transgênero, o número de alterações cresceu 207em Salvador e hoje totalizam 121 atos realizados, sem a necessidade de procedimento judicial e nem comprovação de cirurgia de redesignação judicial, também conhecida como transgenitalização. 

Regulamentada em todo o país em 2018, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a mudança de sexo em Cartório foi regulada pelo Provimento nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que passou a vigorar em junho do mesmo ano. Em seu primeiro ano de vigência – junho de 2018 a maio de 2019 – foram contabilizadas 69 alterações, enquanto no último ano – junho de 2022 a maio de 2023 – foram registradas 212 mudanças de gênero, um aumento de 207%.  

Os números constam da Central de Informações do Registro Civil (CRC Nacional), base de dados nacional de nascimentos, casamentos e óbitos administrada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), entidade que reúne os 7.757 Cartórios de Registro Civil do país. 

“A implantação da mudança de gênero foi, sobretudo, um direito conquistado, que garantiu mais respeito à identidade de gênero e promoveu inclusão e igualdade em nosso país, uma vez que permite o exercício pleno à cidadania das pessoas transgêneros”, declarou o presidente da Arpen/BA, Carlos Magno. 

Os dados dos Cartórios de Registro Civil em Salvador mostram ainda que os dois últimos períodos de vigência da norma foram aqueles onde houve maior crescimento. No período de junho de 2021 a maio de 2022 houve um aumento de 11,7% em relação ao período anterior, quando os atos passaram de 17 para 19. O período seguinte, de junho de 2022 a maio de 2023, registrou crescimento ainda maior, com os números subindo para 43 alterações de gênero, um crescimento de 126%.  

Entre as mudanças de gênero, as mudanças para o sexo feminino prevalecem. No primeiro ano da nova regulamentação – junho de 2018 a maio de 2019 – foram 18 mudanças do sexo masculino para o feminino, 6 do feminino para o masculino. Já no último ano da norma – junho de 2022 a maio de 2023 – foram registradas 28 mudanças de masculino para feminino, 14 de feminino para masculino e em 1 caso não houve alteração de sexo.

Como fazer? 

Para orientar os interessados em realizar a alteração, a Arpen-Brasil editou uma Cartilha Nacional sobre a Mudança de Nome e Gênero em Cartório, onde apresenta o passo a passo para o procedimento e os documentos exigidos pela norma nacional do CNJ. Clique aqui e acesse. 

Para realizar o processo de alteração de gênero em nome nos Cartórios de Registro Civil é necessário a apresentação de todos os documentos pessoais, comprovante de endereço e as certidões dos distribuidores cíveis, criminais estaduais e federais do local de residência dos últimos cinco anos, bem como das certidões de execução criminal estadual e federal, dos Tabelionatos de Protesto e da Justiça do Trabalho. Na sequência, o oficial de registro deve realizar uma entrevista com o (a) interessado.  

Eventuais apontamentos nas certidões não impedem a realização do ato, cabendo ao Cartório de Registro Civil comunicar o órgão competente sobre a mudança de nome e sexo, assim como aos demais órgãos de identificação sobre a alteração realizada no registro de nascimento. A emissão dos demais documentos devem ser solicitadas pelo (a) interessado (a) diretamente ao órgão competente por sua emissão. Não há necessidade de apresentação de laudos médicos e nem é preciso passar por avaliação de médico ou psicólogo. 

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