Uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) recomendou que o governo da Bahia anule dois termos aditivos que prorrogam de 25 para 50 anos o período de concessão da BA-099, composta pela Estrada do Coco e a Linha Verde, para a Concessionária Litoral Norte (CLN). Em relatório elaborado em dezembro do ano passado, técnicos do órgão apontaram que não há justificativa para embasar a extensão do período, que terminaria originalmente em 2025, mas, com o prolongamento, foi empurrado para 2050.
A auditoria identificou irregularidades, tanto na prorrogação do prazo de concessão quanto na fiscalização do contrato pela Agência de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia (Agerba). Uma delas foi a falta de metodologia específica para adoção de medidas que visassem o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Os auditores apontaram também que a CLN usou artifícios contábeis para alegar prejuízo financeiro com a concessão e obter o prolongamento, repondo as supostas perdas econômicas.
A CLN e a Agerba afirmaram, em nota enviada ao Bahia Notícias, que não foram notificadas sobre o parecer e, por isso, não comentariam o resultado da auditoria.
O relatório não tem efeito suspensivo sobre os aditivos, mas auxilia os conselheiros do TCE na tomada de decisões durante votações no plenário ou nas câmaras do órgão. O resultado da auditoria ainda será analisado pelos conselheiros da 2ª Câmara, que podem seguir, ou não, as recomendações do corpo técnico para ordenar a anulação. Ainda não há data para o julgamento do relatório. O caso está sob relatoria do conselheiro Pedro Lino, conhecido por decisões e votos contrários às gestões petistas.
Segundo o relatório, a falta de reajustes da tarifa de pedágio por parte da Agerba acabou culminando na prorrogação do prazo de concessão – atualmente, o valor é de R$ 7, de segunda a sexta, e de R$ 10,50 aos sábados, domingos e feriados. Os auditores relataram que o contrato com a concessionária, celebrado em 21 de fevereiro de 2000, previa que o aumento no valor fosse feito anualmente. No entanto, a agência reguladora passou a não conceder o reajuste, sem justificativa. Quando o fazia, realizava fora da data-base prevista no documento.
A CLN passou a justificar que a medida provocava desequilíbrio financeiro no contrato. Segundo a empresa, o fato impedia a realização das obras de duplicação da BA-099 – com sucessivas paralisações, elas, previstas para conclusão em três anos, só foram entregues 14 anos após a celebração do contrato.
Com o alegado prejuízo, a concessionária reivindicou formas de reequilibrar o contrato financeiramente. A forma encontrada pelo governo baiano foi prolongar o prazo de concessão duas vezes. Uma em abril de 2005, com a prorrogação da vigência por mais dez anos, elevando o período de 25 para 35 anos. A outra, em maio de 2015, por mais 15 anos, chegando ao total de 50.
Algo também apontado pelo TCE como irregular no contrato é a falta de metodologia para estabelecer critérios técnicos de reequilíbrio financeiro do contrato. Como as normas não estão previstas contratualmente, fica a cargo da própria CLN decidir quando e como pedir este reequilíbrio.
“Esse possível cenário que se descortina pode ser prejudicial para a Administração e, principalmente, para os usuários dos serviços concedidos, tendo em vista o conflito de interesses inerente à atividade prestada, bem como a assimetria de informações existente entre as partes”, diz trecho do relatório. Os auditores pontuam também que é responsabilidade da Agerba elaborar “normativos regulamentares e disciplinadores dos serviços públicos regulados”, conforme regimento interno da autarquia.
ARTIFÍCIOS CONTÁBEIS
Apesar de a CLN alegar incapacidade financeira como justificativa para cumprir o cronogramas de obras do contrato, os auditores do TCE não encontraram sinais de que a falta de reajustes tarifários estava impactando na contabilidade da concessionária.
Ao analisar os demonstrativos financeiros da empresa entre 2000, ano em que a concessão começou, e 2005, quando o primeiro aditivo foi celebrado, os técnicos encontraram fluxo de caixa em alta, antecipação de ganhos para acionistas e tráfego de carros cerca de 15% maior que a demanda prevista. “O excedente de receita não previsto [provocado pela quantidade maior de carros] atenuaria, ao menos em parte, o impacto causado pelo não reajuste tarifário”, assinalam os auditores.
DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL
Além do TCE, o MInistério Público da Bahia (MP-BA) já havia apontado que Agerba e CLN estavam descumprindo o contrato. Em ação civil pública no ano de 2013, o órgão questionou a paralisação das obras de duplicação da BA-099, no trecho entre Itacimirim e Praia do Forte.
Na época, o MP-BA pontuou que a CLN continuava recebendo integralmente os valores do pedágio pago pelo usuário, mesmo que não tivesse realizado os serviços pactuados no contrato. Por outro lado, a agência reguladora não tomava medidas para assegurar o cumprimento do acordo de concessão.
“A Concessionária Litoral Norte, há (cinco) anos, não está cumprindo com todos os deveres emanados do Contrato de Concessão em questão, mas, por outro lado, recebe pagamento integral das tarifas pagas pelos usuários, além de não sofrer qualquer sanção contratual por parte da Agerba”, diz trecho da ação.
O caso levou a Agerba e a CLN a firmarem, em maio daquele ano, Termo de Ajustamento de Conduta com o MP-BA, em que se comprometiam a retomar as obras em 45 dias.
O OUTRO LADO
A agência reguladora informou para a reportagem que, de acordo com o contrato, o reajuste das tarifas é feito anualmente, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Disse também que o aumento dos valores segue critérios técnicos, com base em estudo econômico-financeiro. A CLN reforçou que trabalha “dentro dos critérios de legalidade, e pautada pelo seu código de ética empresarial”.
por Bruno Luiz – Bahia Notícias